escrevu-vus segundu as minhas próprias regras de nova urtugrafia. Bem sei que anda pur aí um acordo, mas eu axo que ele peca por defeito. Se é para simplificar, vamos até ao fim. Até às últimas consecuênsias.
Por ezemplo: acabar com o ç - o que soa ç escreve-se com s, e o que soa z escreve-se com z.
Para us mais acumudados, contudu, organizaram uma sesão de esclaresimento no prósimo fim-de-semana. Um "tudo o que sempre quis saber sobre o acordu ortugráfico e não teve curajem de perguntar".
Aqi:
A Embaixada de Portugal e o Instituto Camões têm o prazer de convidar para a Inauguração da Biblioteca da Embaixada de Portugal em Berlim, que terá lugar no dia 31 de Outubro, pelas 15:30 horas.
Nesta ocasião, o Embaixador José Caetano da Costa Pereira tem muito gosto em convidar para um Porto d’ Honra.
No âmbito da inauguração da Biblioteca será levado a cabo um workshop subordinado ao tema “Escrever de acordo com o Novo Acordo não custa nada, ou muito pouco: das novas regras ortográficas e sua aplicação”. Com o apoio da Fundação “Alexander von Humboldt‐Stiftung”, o workshop será orientado pelo Prof. Dr. Henrique Barroso da Universidade do Minho e inclui duas sessões:
(1) dia 31 de Outubro, às 14:00 horas, na nova Biblioteca da Embaixada de Portugal (nas instalações da Secção Consular, no piso 1 do nº 56 da Zimmerstrasse)
(2) dia 1 de Novembro, às 16 horas, no Instituto de Românicas da Universidade Humboldt (Dorotheenstrasse 65, sala 4.45).
As inscrições para o workshop devem ser remetidas para o seguinte endereço: cepe.alemanha@instituto-camoes.pt***
Uma vez dada a informação, repesco um texto que escrevi há vários anos a propósito deste acordo. Quando ainda era possível aproveitar o meu saber de experiência feita (sim: sou pioneira no uso destas regras, ainda vocês nem sabiam o que isto era já eu gemia e chorava e rangia os dentes no seu uso quotidiano, já lá vão quase vinte anos) para arrepiar caminho. Será que agora é tarde? Eu continuo, teimosa, a escrever como dantes. Na esperança de sei lá o quê, um qualquer milagre que nos salve.
06 Maio 2008
português neutro
Eu, pecadora, me confesso:passei oito anos da minha vida a inventar uma língua chamada português neutro, numa empresa que queria uma tradução única para utilizar em Portugal e no Brasil.
E eu, acabada de nascer, tão ignorante como bem-intencionada, achei que, com jeitinho, era possível.
Pensava que bastaria usar o acordo ortográfico de 1990 (sim, senhores: o mesmo que agora se discute), e tudo acabaria em bem.
Hoje, do alto da minha experiência, vos digo: não funciona.
O problema não é o modo como se escrevem as palavras, mas o seu significado.
Sem pensar muito, ocorrem-me logo vários exemplos em que tropecei nessa época negra da minha linguística:
- Um armazém, em Portugal, é uma área onde se guarda mercadoria; no Brasil, é uma mercearia de portugueses. Que palavra usar então para a área onde se guarda mercadorias? Almoxarifado? Depósito? A partir do momento em que tentamos soluções de mínimo denominador comum, a língua transforma-se numa construção artificial alheia à realidade de cada país.
- O célebre file inglês é um ficheiro em Portugal e um arquivo no Brasil. Não tem solução.
- O time brasileiro (team) e a equipa portuguesa (equipa nem aparece no Aurélio, só existe equipe). Forma-se um grupo?
- Outras armadilhas de palavras heterossemânticas: bilião, fazenda, cadastrado, adeus, constipação, miúdos, terno. E muitas mais. Fazendo uma pequena incursão nas brejeirices: a palavra bicha já desapareceu dos meios de comunicação social portugueses, mas vamos também evitar trepar, pinto e grelo?
[Adenda (em 8.05) aos exemplos: por muito que unifiquem a ortografia, nunca será possível escrever um livro de culinária para ser usado simultaneamente no Brasil e em Portugal. Alguém sabe o que é um limão, no Brasil? E um limão galego? Eu ainda não consegui entender.]
O acordo ortográfico vai simplificar um pouco? Talvez, mas também complica:
Preciso de me concentrar para não ler afeto e respeto como afêto e respêto. (Ora aí está o alentejano promovido a português neutro.)
Ação pede a pronúncia de cação, receção parece recessão.
E porque é que o h cai da humidade, mas se mantém nos seres humanos e nos homens? (quer dizer: espero que se mantenha...)
Não adianta unificar a ortografia das palavras para termos a sensação que se trata de uma língua única. Mesmo que estejam escritas da mesma maneira, será sempre necessário conhecer e saber descodificar as palavras usadas pelos outros. Por isso, penso que a única solução é informar-se sobre as diferenças. Aprender mais sobre a nossa língua e sobre a língua portuguesa falada nos outros países. Assumir, por muito que custe aos heróis do mar nobre povo, que não há um português universal, mas um "portugalês" e um "brasileiro" (do português falado nos outros países não falo, porque não sei).
Fazer um acordo ortográfico que suprime alguns acentos e consoantes mudas, tira aqui hífens para os acrescentar ali, e pensar que essas alterações confusas de cosmética são um passo importante para unificar a língua, é de uma ingenuidade que se poderia dizer ridícula se não tivesse tantos custos.
Vão por mim: só nos faz bem aprender mais e exercitar permanentemente o cérebro. Aprender os falsos cognatos, manter as nossas consoantes mudas e os acentos de todos, inclusivamente o belíssimo trema brasileiro (eqüidade, que equilíbrio de palavra!), a eterna dúvida entre o ç, o ss e o s, tudo isso são bons exercícios para fintar o Alzheimer. Isto nem é só uma questão de ortografia, é até um caso de saúde pública...
Também não concordo com simplificações da ortografia para facilitar a aprendizagem. Isso equivale a, desculpem a ofensa, fazer uma hortografia: ortografia para nabos.
Tudo isto para dizer que sim, também assinei o manifesto em defesa da língua portuguesa. Embora por razões diferentes das que estão lá escritas.
***
Na altura em que eu inventava um português neutro, assistia a discussões dos tradutores para espanhol. Pelo que entendi, a Real Academia Española, sedeada em Madrid, decide a evolução do espanhol no mundo inteiro. Os sul-americanos protestavam, mas manda quem pode...
De onde se conclui que a culpada dos nossos problemas linguísticos é a República e o seu pai de todos os males, o regicídio... ;-)
Que um dia ainda se chamará rejissídio. ;-)
11 comentários:
há uns meses dei uma entrevista para uma rádio brasileira e tentei explicar o conceito do postcrossing. foi mais ou menos assim:
ana: "depois do registo, pedem-se moradas para as quais se enviam postais. depois é só esperar para receber alguns de volta".
silêncio do outro lado e depois um tímido "...moradas?! o que é isso?"
eu: "errr... bem... as moradas... são os endereços das pessoas!"
eles: "aaaaaaaah!"
:|
Ah, se escrever é difícil, falar então...
Eu, que falo português de forma tão pausada e clara que até os alemães me entendem, chego ao Brasil e é um vê se te avias de gente a olhar para mim com um sorriso perdido: "oi?"
Havia até uma carioca que durante uns tempos achou (mas estranhou) que eu passava a vida a levar fígados e moelas para o jardim infantil. Os miúdos.
ahahhahahahah (esta tua historia com a brazuca)
(o trema mantém-se)
sabes o que me custa mais mais mais de tudo? é explicar às crianças que AGORA É ASSIM, sem haver qq razao linguística para que seja assim.
a nossa lingua já é o que é (milhoes de excepçoes, grafias diversas para os mesmos sons, um desatino) mas algumas daquelas 'coisitas' tinham explicaçao linguistica. agora, nao: é só fonética. the horror, the absolute horror para um professor...
depois, tragédia pessoal - recuso-me a escrever pela nova ortografia, mas tenho de a ensinar e corrigir segundo as novas regras. resultado:
- tenho os (melhores) alunos a chamarem-me a atenção porque escrevi, no quadro, actividade ou objecção. fico sempre :-( e agradeço muito a correcção (perdão: correção) e peço encarecidamente que me continuem a alertar.
isto vai dar esquizofrenia militante, é o que é.
Recuso-me a escrever segundo o novo desacordo ortográfico, mesmo nos casos em que sei as regras. Infelizmente não posso impedir que ensinem os meus netos por essas novas regras. Algumas são só irritantes, outras são completamente destituídas de lógica. Os exemplos dados de palavras que tendem a passar a ser lidas de modo diferente como afecto -> afeto e acção -> ação já me tinham ocorrido. Portanto, viva a urtugrafia fonética. Purqe não se pode esqrever como se fala, dando a qada letra um úniku som i atribuindu a qada som uma únika letra?
Freire de Andrade,
respondendo à sua pergunta: se fosse para ir pela pura escrita fonética, teríamos uma grande dificuldade, que era a de decidir entre a fonética do Porto e a de Lisboa. Para dar apenas dois exemplos.
us purtuguiezes rezidientes em Berlim?
us ptugêzx rezidentx em Brlim?
sem-se-ver,
ainda vale a pena reclamar? Ou vamos ter de nos sujeitar mais cedo ou mais tarde?
Este é um dos casos em que acho que um referendo nacional fazia todo o sentido. Porque a língua é do povo.
num bale a pena, axo eu. os sinhores gobernantes decidiram, está decididu.
Pois agora pergunto eu, se queriam simplificar, porque não seguir a "ortografia" dos putos quando mandam SMS dos telemóveis?
Axim eh k era :P
Infelizmente, não tenho tempo para escrever muito. Só digo que leio "dirêto" cada vez que o Telejornal escarrapacha "direto" no ecrã e que, quanto ao resto, Amén!
"Ação", "receção", "tração" e "ata" são alguns dos exemplos mais intragávelmente crus que me tornam práticamente impossível a adesão ao novo Acordo Ortográfico!
Aliás, na minha modestíssima opinião de quase Engenheiro Mecânico (I. S. T.), mas com frequência do 3º Ano de Linguística da Fac. de Letras da Univ. de Lisboa, parece-me que o Português e o Brasileiro estarão, pelo nosso tempo presente, a embraiar naquela "passagem de caixa" em que também o Catalão se terá um "dia" separado do Francês (?), o Romeno do Italiano (?), o Castelhano do Leonês (?), o Holandês do Alemão (?), ou o Português do Galego (?).
O problema é que, neste tipo de "mudanças", muito lentas, o pé da embraiagem pode demorar décadas a subir completamente e só mais tarde é que as Academias e demais poderes político-culturais e linguísticos o reconhecem e aceitam...
Por mim, vou continuar a aguardar firme, com a mão na "manette" da ortografia portuguesa que aprendi desde a Escola Primária n.º 175 do Bairro da Encarnação, até ao Liceu Nacional de D. Dinis, em Chelas!
O pior vai ser quando os meus dois Filhos entrarem para o 1º Ciclo e começarem a escrevinhar "redações"...
Marçal das Neves.
Texto interessante. Contudo, parece-me um pouco enviesado nos argumentos.
- Justificar a não existência de um acordo ortográfico pela existência de palavras com significados distintos ou até com significados desconhecidos, não me parece razoável. Trata-se de um acordo ortográfico e não de um acordo sobre significados. Além de que, palavras com significados distintos ou desconhecidos temos até dentro do pequeno território de Portugal Continental.
- Na língua portuguesa, a escrita não determina a fonética. Estamos cheios de ambiguidades como as de "receção" ou "recessão" que cita, mesmo sem acordo.
- Não aceita o acordo de 1990 mas aceita os anteriores. Ou prefere o regresso ao latim?
Se me permite, e para desanuviar, termino deixando referência para um texto que já escrevi sobre este último tópico:
http://exiladonomundo.blogspot.com/2010/03/acordo-ortografico-resistencia.html
JoZe,
a questão de partida é outra: é que a realização deste acordo ortográfico nestes moldes foi justificada com a necessidade de aproximar a ortografia dos vários ramos da língua. O que eu estava a dizer é que não vale a pena fazer este esforço, porque não aproxima nada.
Não tenho nada contra a modernização da ortografia, sobretudo se for de encontro às necessidades das pessoas que usam a língua. Quer dizer: se as pessoas começarem a achar que é preciso mudar alguma coisa, e que a mudança introduz mais coerência na língua (por exemplo: pharmácia / farmácia).
Mas neste caso ninguém estava a pedir para que se procedesse a estas mudanças, muitas delas completamente ilógicas.
Posso dar-lhe milhentos exemplos de coisas absurdas nisto. Como tirar o h a humidade mas deixá-lo na humanidade - por exemplo.
Porque é que os portugueses estão a mudar a sua ortografia de um modo que lhes é profundamente desagradável, só para a ajustar à brasileira?
Porquê aproximar a nossa ortografia à dos brasileiros?
Quanto às mudanças anteriores: não as conheço, não sei porque foram feitas. Isso não me impede de hoje dizer que considero esta mudança uma profunda estupidez e uma violentação da língua que eu hoje uso. O facto de no passado ter havido mudanças na ortografia não é um cheque em branco para um qualquer posso-quero-e-mando impor ao povo português as mudanças absurdas que lhe passarem pela cabeça.
E não, não quero voltar ao latim. Nem percebo porque é que aventa essa hipótese.
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