Com esta frase cínica começou há 72 anos a segunda guerra mundial.
Do diário de Ruth Andreas-Friedrich (tradução do hiperactivo do costume):
Berlim, sexta-feira, 1 de Setembro de 1939
Às 4:45 o exército alemão atravessou a fronteira polaca numa larga frente. O Governo apresenta uma série de novas imposições: obrigatoriedade de obscurecer as ruas, as lojas e as casas. Protecção aérea. A partir de hoje é proibido ouvir estações estrangeiras de rádio, estamos sujeitos a graves punições. Já "pecámos" três vezes. Com um cobertor sobre o rádio, com as portas fechadas. A França e a Inglaterra estão a mexer-se. A Itália declara-se neutra. Iacta alea est. Quando será lançado este dado para Hitler?
À tarde estamos convidados para um chá na casa do Dr. Flamm. Desde que os nazis lhe tiraram o seu lugar de juiz e o mandaram para a reforma, por falta de confiança política, ganha a sua vida com um repetitorium jurídico, tentando explicar aos seus alunos, com inteligência e cautela, os erros das teorias nazis. Andrick diz que é o mais inteligente dos seus amigos. Vamos encontrá-lo empoleirado numa escada, aplicando papel pardo nas janelas. "Alemão, escurece!", diz-nos, e espeta o último prego da empreitada.
À volta da mesa, vamos mexendo com colheres nas chávenas. "Vai ser uma guerra longa", diz Flamm, melancólico. "Só Deus sabe quem ainda estará vivo quando a guerra chegar ao fim". "Hitler não estará vivo, de certeza!" - Flamm faz uma careta. "De que nos adianta a morte de Hitler, se antes disso tivermos de comer o pão que o diabo amassou!"
Lá fora há um ruído estranho. Ora mais agudo ora mais grave, ora mais grave ora mais agudo. Um sobe e desce prolongado. Andrick dá um salto. "Alarme aéreo!", grita assustado. Olhamos uns para os outros sem saber o que fazer. "Vamos para a cave", sugere Flamm. Sentimos uma espécie de vergonha. Como se fôssemos cobardes. Quando chegamos à cave, já lá se encontram todos os vizinhos. Máscara de gás sobre o rosto, saco de protecção aérea a tiracolo, como manda o regulamento. "Nojento!", resmunga Andrick. Um avião solitário zumbe sobre nós. Tensos, observamo-lo pela janela da cave, que está aberta. Tudo termina ao fim de vinte minutos. De novo ouvimos um ruído que não conhecemos. Um zumbido longo e penetrante. Os especialistas chamam-lhe "fim do alarme". Satisfeitos, abrem as máscaras de gás e fazem-se ao caminho de regresso. Não comentamos esta experiência. Embaraça-nos, quase como se tivéssemos cometido uma gafe.
Ao regressar a casa vemos pela primeira vez estrelas sobre Berlim. Estrelas que não se mostram pálidas e apagadas, escondidas pelos reclames luminosos, mas brilhantes em claridade festiva. A lua pousa um brilho lácteo sobre os telhados. Nenhuma luz artificial nas ruas. "A metrópole regressa à natureza", sorri Andrick. "Quase me podia tornar romântico." Pega no meu braço e aperta-o. Como gosto dele! penso eu com ternura.
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