Já é preciso ter muita vontade de ver as coisas por um determinado prisma para ler nos resultados das eleições de Berlim uma derrota da Merkel! Confesso que às vezes não há paciência, e ultimamente há cada vez menos paciência para as leituras que em Portugal se fazem sobre o que está a acontecer na Alemanha. Desculpem que vos diga sinceramente: it is not about you.
O que aconteceu ontem: a CDU (que costuma ter péssimas cartas em Berlim) subiu ligeiramente; a SPD - apesar do Wowereit, um candidato de peso - baixou ligeiramente; os Verdes - que concorriam com a candidata que ia arrumar com o Wowereit - ficaram muito abaixo das expectativas e, surpreendentemente, muito atrás da CDU!
O grande perdedor foi a FDP, o partido que anda a meter nojo à Merkel, que saiu do parlamento berlinense. Se isto é uma derrota da Merkel...
O grande ganhador foi o partido dos Piratas, que parece estar para esta década como os Verdes para os anos oitenta do século passado.
A partir disto, concluir sobretudo que a Merkel sofreu uma derrota é mesmo ter vontade de enfiar os óculos de Penafiel a tapar a vista aos neurónios.
Quanto aos eleitores alemães castigarem os partidos que têm um discurso antieuropeu, só me ocorre dizer isto: deixem-me rir.
Ponham-se no lugar deles: os eurobonds vão onerar imenso o serviço da dívida alemã, porque a taxa de juro vai aumentar. A pergunta é: porque é que os contribuintes alemães - que mal sabem como vão poder pagar as suas próprias dívidas - têm de responder pelo pagamento da dívida de países que aldrabam as contas e parece que não estão a conseguir dominar a situação, mas que fazem questão de permanecer soberanos e independentes (o que eu não discuto, claro)? Porque é que a Alemanha é obrigada a passar cheques em branco aos outros países para pagar dívidas sobre as quais não tem o menor controle? Em nome de quê?
Claro que Portugal responderá que é a solidariedade, e que além disso a culpa desta situação é da Alemanha, que se enche de dinheiro à custa dos submarinos, da destruição propositada da nossa estrutura produtiva e do euro forte e tal. E os alemães que fizeram férias em Portugal perguntarão a que propósito se construiu entre a Figueira da Foz e a Nazaré uma auto-estrada com seis faixas de rodagem, e tal.
Uma outra coisa que os alemães não sabem, e espero que não venham a saber: o modo ofensivo como em Portugal se fala do seu sistema democrático e dos seus representantes sempre que a Merkel não faz imediatamente aquilo que os outros países querem. É que isto do respeito pela soberania alheia devia ser uma regra geral da Europa. Não estou a dizer que os outros países, os jornais dos outros países e as conversas de café dos outros países não podem criticar. Podem, e devem, e têm bons motivos para isso. Mas há um nível mínimo de informação, inteligência e civilidade que se exige. Se é que estamos todos empenhados na resolução dos problemas e na construção de uma Europa mais forte.
O que me falta nesta discussão, de parte a parte, é a coragem de encarar com frontalidade os erros que cada país cometeu, bem como os erros e as fragilidades das políticas europeias. Também não estou a ver a vontade de entender a perspectiva alheia, e a procura em conjunto de uma solução para todos. Em vez disso, estamos todos entricheirados, cada um a tentar safar-se o melhor que pode, cada um a deitar as culpas para os outros. Assim não vamos lá.
18 comentários:
Eu compreendo e partilho a tua indignaçao, mas nao estarás a por uns óculos de Penafiel ao contrário?
Nao que eu saiba o que isso é, mas até o Presidente do BCE admitiu outro dia que andavam há décadas a fazer ao euro e às taxas de juro só o que convinha ao duo franco-allemande.
Eu sabia que me devia ter metido debaixo da cama mal escrevi este post... ;-)
Mas vá, Rita, relê o último parágrafo: o que me falta *de parte a parte*
Andam todos (a Alemanha também) a ignorar a sua quota-parte de culpa nesta situação.
Sim, mas nao é tudo assim muito bonito, nao é exactamente como se as relaçoes de poder entre os países fossem iguais, pois nao?
Isto para nao falar do dinheirao que as hesitaçoes da Merkel custaram aos contribuintes alemaes nem do facto de que o populismo do seu discurso é a única máscara que lhe resta - se ela nao pusesse sempre as culpas nos outros, os contribuintes alemaes já estavam chateados com ela há imenso tempo.
Boom, sim, mas também há aqui boa margem para manobra. Por exemplo: parece-me que de momento a Grécia tem uma parcela significante da faca e do queijo na mão: não está a ser capaz de cumprir a sua parte do acordo, mas se se afundar o euro afunda-se com ela.
Quanto às hesitações da Merkel: conheces algum político que tivesse sabido reagir com mais rapidez e determinação? E de certeza que a culpa é sobretudo da sua hesitação? Olha para os outros países, para Portugal, por exemplo: apesar de a resposta quer interna quer externa ter sido mais rápida e mais conforme aos mercados, estes continuaram a zurzir.
Mudando um pouco de assunto: outro dia estava na chancelaria a ver uma exposição sobre cada um dos chanceleres (o Adenauer e a reconstrução da Alemanha, o Willy Brandt e a abertura ao Leste, o Kohl e a reunificação, etc.) e perguntei-me como será que esta mulher vai entrar para a História.
Gostei de ler!
Que aborrecido estar sem tempo para uma resposta como deve ser....muito resumidamente:
1. A Grécia nunca teve faca e o queijo foi raccionado. Claro que nao têm coisa nenhuma na mao - assinaram um acordo que toda a gente sabia que nao podia cumprir quando lhes foi imposto e hao-de fazer default mas só quando os deixarem e da maneira que lhes for ordenada. Nao reparaste no discurso da Alemanha a mudar? Quando acabarem de trocar de pele no dia seguinte a Grécia declara bancarrota.
2. Conheço, muitos. Tal como o director do Handelsblatt estou convencidíssima que Steinbrück por exemplo teria sido mais capaz, que Schröder tinha toda uma outra visao e consciência, até que Sarkozy teria gerido a coisa melhor se a Alemanha nao existisse.
3. A História e Angela Merkel: depende do número de bancarrotas e saídas do Euro e de como ela acabar, mas neste momento ponho francamente a hipótese de ficar na história como um dos chanceleres mais irrelevantes, mas mulher.
Rita,
desculpa, mas cheguei ao limite da minha possibilidade de resposta. Antes de continuar a falar disto tenho de ler muitos artigos de jornal.
(vou lê-los para debaixo da cama, volto depois) (hehehe)
(Se calhar devia era ouvir a tua rádio francesa!)
Excepto o ponto 3: sim, inteiramente de acordo.
Havia óculos de má qualidade em Penafiel? Eu nasci em Ermesinde, vivi no Porto até aos 10 anos e depois vim para Lisboa mas nunca tinha ouvido falar dos "óculos de Penafiel".
Ainda bem que não perdeu a esperança de ver discussões em Portugal envolvendo argumentos mais substanciais do que figuras de retórica, haja alguém que acredite...
"óculos de Penafiel" são as palas dos burros, para eles verem só numa direcção...
Não sei se isto é esperança ou falta dela. Desta vez foi sobretudo falta de paciência. Faz-me mesmo impressão ver os portugueses a ler o que se passa na Alemanha como se estivessem a interpretar o que lhes apetece em frente a um monte de folhas de chá...
Como é sempre difícil discutir sobre alguns assuntos sem alguns "parti pris" - versão mais sofisticada e cosmopolita do que os tais "óculos de Penafiel"! Creio que ainda a propósito, pergunto: por que razão os "continentais" ( onde aliás me incluo), estamos cheios ( eufemismo...)dos buracos financeiros da Madeira ( e da "solidariedade" para que eles sempre apelam) e temos dificuldade ( outro eufemismo) em entender a perspectiva de uma grande parte dos alemães relativamente à "solidariedade" para com alguns outros países europeus?
Ah, essa é fácil de responder: é que nós, os continentais, não temos culpa nenhuma dos buracos da Madeira, mas a Merkel tem toda a culpa do desastre a que os países do sul chegaram!...
Pois, contra os factos da ironia não há argumentos...
"Já é preciso ter muita vontade de ver as coisas por um determinado prisma para ler nos resultados das eleições de Berlim uma derrota da Merkel!"
provavelmente leram os jornais alemães para tirarem essas conclusoes:
http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,787070,00.html
Voters in Berlin handed Chancellor Angela Merkel's government another defeat in a state election on Sunday. Her coalition partners have hit rock bottom...
The repeated, considerable failure of the FDP on Sunday along with the modest result for Merkel's CDU means yet another blow to Merkel's national coalition
ou os jornais Ingleses:
http://www.bbc.co.uk/news/world-europe-12880732
Pelo menos temos uma boa noticia neste blog. Com o que vamos exportar de oculos de penafiel a nossa economia vai concerteza crescer ainda este ano
Tomás
Tomás,
não confunda derrota da CDU com derrota da FDP. É verdade que o governo, entendido como coligação, sofreu uma derrota. Mas não se esqueça que a FDP tentou fazer votos arriscando um discurso contra o parceiro da coligação. Se lesse jornais em alemão, ia ver que nos corredores da CDU há gente a dar risinhos de "bem feita! é para aprenderem!"
Quanto ao segundo link: essas foram as eleições de Março passado, noutro Estado.
Helena s.f.f.
Quando començe a falar dos alemaes asssim em geral olhe um pouco mais acima.
Nao pense unicamente em vc, na sua familia e os alemaes que conhece.
Pense um pouco mais alto...Nos bancos alemaes. No dinheiro que os bancos alemaes tenhem esparcido por ai em emprestimos...curiosa e fatalmente a uns tipos de crédito duvidos como os famosos paises "PIIGS"...
Tantas intrepretações e ninguém fala do impacto meteorológico: choveu o dia todo e como as sondagens davam a reeleição garantida do Wowereit, os comodistas ficaram em casa e o eleitorado mais empenhado e fiel dos pequenos partidos tirou partido da situação... onde é que já vimos isto?
Não me digas que o São Pedro é contra a coligação da direita?!
Muito me contas!
Para ler com muita atenção pois o post é bastante... enviesado:
http://www.spiegel.de/international/germany/0,1518,769703,00.html
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