Pouco passava das seis da manhã, em San Francisco, quando o nosso telefone tocou: o meu sogro ligava da Alemanha, em choque, avisando-nos que estavam a atacar Nova Iorque.
Dez anos depois, é sobretudo isto que sobra na minha memória:
- Na televisão, essa inesquecível sequência de imagens, repetida à exaustão durante todo o dia: primeiro o par que saltava de uma das torres de mãos dadas, depois o grupo de palestinianos que dava vivas.
- A mensagem que nesse mesmo dia a directora deixou no "diário da escola", para os pais lerem:
For the sake of the future and the peace, please tell your children how is the life of the Palestinian people. We must walk in their moccasins to understand.
- O medo servido com precisão e zelo, o modo como nos deixámos transtornar. O medo nos transportes públicos ("o que será que aquele moreninho tem no saco?"), na nossa rua ("o que está a fazer um balão perdido no nosso jardim da frente? será que tem anthrax dentro?"). As conversas alarmistas com os amigos ("em Stanford há vírus perigosos à mão de semear, qualquer um os pode largar sobre a população!", "roubaram os planos da rede de abastecimento de água da Bay Area!" - e de repente o Costco cheio de garrafões de água, produto que eu nunca vira lá antes). A rapidez com que voltámos ao normal após termos arrumado a televisão na cave e cancelado a assinatura do jornal diário.
- A onda de patriotismo que invadiu os nossos filhos: a Christina (7 anos) a declamar orgulhosamente e de cor I pledge allegiance to the flag of the United States of America, and to the republic for which it stands, one nation under God, indivisible, with liberty and justice for all, o Matthias (4) a soltar uma exclamação alegre e reverente ao ver uma fotografia à entrada de um hospital: "look! our president George W. Bush!"
(foi quando decidimos regressar à Europa)
- A subida de tensão na Pacifica Radio, os apelos desesperados para que o país não embarcasse na aventura oportunista do bando à volta de Bush. Os americanos - mesmo os de San Francisco! - cada vez mais divididos.
Hoje queria ter o tempo livre para ficar a ouvir esta transmissão: "911's footprint on America ten years later".
3 comentários:
«[...] o Matthias (4) a soltar uma exclamação alegre e reverente ao ver uma fotografia à entrada de um hospital: "look! our president George W. Bush!"
(foi quando decidimos regressar à Europa)»
Chegados a esse ponto, foi uma sábia decisão!
No meio de tanta patriotice - até foram buscar George W. Bush aos seus estudos para prestigiar ainda mais as cerimónias - foi bom ouvir a voz dissonante de Paul Krugman http://tinyurl.com/5s5nll4
Acho que devemos sentir profunda pena das famílias e amigos das vítimas do 11 de Setembro. Primeiro pelo seu luto. Depois porque a narrativa histórica na qual muitos procuram o reconforto de inscrever as suas perdas se tornou cada vez mais sórdida e insustentável.
Carlos,
a quem o diz!
Bosc d'Anjou,
obrigada pelo link. Muito bom!
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