19 agosto 2011

sobre espécies em vias de extinção

(foto da internet)


Este post da Rita F. lembrou-me os meus dias de Weimar, nomeadamente uma das minhas típicas tentativas desesperadas de aguentar o mundo pelas pontas (e debalde).

No caso, tratava-se da livraria fundada em 1710, onde Goethe já fora cliente. Pois, só que desde os tempos em que Goethe lá comprava os seus livros e revistas (as revistas daquele tempo eram muito engraçadas, então as do Bertuch - o inventor do conceito Burda - eram uma gracinha) (outro dia conto o que Goethe fez ao Bertuch quando este estava a regressar da viagem de núpcias) (não comentem com ninguém, senão ainda arranjo problemas para me naturalizar alemã, mas esse Goethe era levadinho da breca), como ia dizendo, desde o tempo de Goethe, aconteceram duas ou três peripécias naquela região. Ou, mais propriamente, não aconteceram. Como, por exemplo: durante o período comunista, nenhum encarregado de loja alguma frequentou cursos de marketing e assim, enquanto a oeste a concorrência não dormia. O resultado, dez anos após a queda do muro, era desolador: algumas lojas dos locais eram sítios onde uma pessoa até perdia a pulsão de consumismo que a levara lá. E ficavam mesmo ao lado de lojas de cadeias ocidentais onde uma pessoa entrava só para ver e acabava a desgraçar-se para o mês todo.

Assim era com a livraria Hoffmann, fundada em 1710, fornecedora de Goethe. Um sítio escuro, poeirento e sem graça,  mesmo ao lado da Thalia, livraria enorme de uma cadeia da Alemanha ocidental, sempre cheia de novidades, alegre e sedutora.

E que fazia eu? Ia à Thalia procurar lenha com que queimar o orçamento do mês, e depois ia à livraria ao lado, à Hoffmann, encomendar a minha perdição. Os livros chegavam no dia seguinte, eu ia buscá-los toda contentinha, sentindo que de algum modo contribuía para preservar a memória cultural de Weimar. Tipo: eu e o Goethe.

Era um caso de três em um: apoiava a economia local, ajudava a preservar a herança cultural da cidade, e palmilhava uns quilómetrozitos extra, que faz muito bem à saúde.

Mas agora, à distância que a idade me permite, questiono se isto fazia algum sentido. Porque é que as livrarias hão-de sobreviver por conta da boa vontade, direi mesmo pior, da caridade dos clientes? Porque é que não se lembram de sacudir o pó acumulado e reinventar uma maneira de existir que as torne um prazer e um vício bom? Será que o único elemento determinante do comportamento do público é o preço dos livros? (agarrem-me, que já estou a ter muitas ideias impecáveis) (agarrem a Rita Dantas, que quando eu tenho ideias impecáveis arruma logo com elas em duas penadas)

Há um pormenor no filme "you've got e-mail" que tenho dificuldade em aceitar: como é que uma livraria que era um lugar mágico para crianças, e um muito agradável ponto de encontro para as pessoas do bairro, alguma vez poderia perder para um mega mercado de livros? Não: aquela parte da história está muito mal contada. 

Nos casos que observei em Weimar, era ainda mais complexo: o pessoal do leste queixava-se que era vítima da invasão dos valores capitalistas, o que era bem verdade, mas esqueciam-se de dizer que estavam a ser traídos pelos próprios antigos camaradas, esses que preferiam ir às lojas ocidentais em vez de serem mal servidos nas que tinham sobrado do período comunista. Os compradores "ocidentalizaram-se" mais depressa que os vendedores, e estes reagiam com auto vitimização e lamúrias de ó tempo volta pra trás. 

4 comentários:

Rita Maria disse...

Eu?! Sou tão boa rapariga...

(quanto ao resto, remeto para o meu comentário ao post da Bulhosa)(mas acrescento que o que as livrarias portuguesas precisam é de uma atitude mais snob. Quando dizer "ai, torrei tanto dinheiro na Fnac" passar a ser foleiro, cada um terá de descobrir a sua livraria gourmet. Com os supermercados já funciona muito bem)

Helena Araújo disse...

És boa rapariga, és, sim senhora!
Só me chateia é teres tantas vezes razão...

Quanto ao resto: era o post da Lello. Acho que tem de ser mais que snobismo, e até tinha umas ideias.

sem-se-ver disse...

querida,
nem a propósito:

http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=292124

.......... :(

Helena Araújo disse...

Isso não me preocupa por aí além. Com certeza que se arranjará um comprador. Quem é que ia perder uma casa para a qual a Julia Roberts faz publicidade gratuita?