Guttenberg acabou de renunciar ao cargo de Ministro da Defesa.
Já vai tarde, quase com duas semanas de atraso. O que se passou nestes últimos dias foi um perigoso caminhar sobre o arame: a Merkel feita equilibrista distraída, a dar desculpas vergonhosas e sobretudo inaceitáveis num chanceler, para manter um ministro que ainda é mais popular que ela; o ministro a fazer de conta que se pode passar por cima de erros destes (e o pessoal nas caixas de comentários a rir com tristeza: "então está bem, se me apanharem a assaltar um banco, devolvo o dinheiro, peço desculpa, e não há problema); os professores universitários furiosos com o modo como a política tentou perverter regras do jogo que se consideram básicas, e como estava a criar um precedente que desmoralizaria as práticas académicas; a oposição fora de si, não poupando adjectivos ao ministro (mentiroso, desonesto, arrivista), sentindo-se impotente perante decisões políticas que corroem os valores mais fundamentais da sociedade.
Estranhamente, a popularidade do ministro não sofreu muito durante estes dias. Pelo contrário: uma boa parte do povo junta o fascínio por aquele homem (no qual já se sonhava um chanceler bem amado) ao repúdio pelos aparentes jogos palacianos que "armam ratoeiras aos nossos melhores ídolos".
Pergunto-me se se exige de um D. Sebastião que seja honesto, ou se lhe basta estar presente e ser amado. E essa é, no fundo, a questão mais importante que este caso levanta sobre o funcionamento das Democracias.
Aqui podem ver a comunicação à imprensa (em alemão)
11 comentários:
Não consigo deixar de ironizar, é aqui que se vê a distância entre os países mais e menos desenvolvidos:
em primeiro lugar, na Alemanha este escândalo afectou apenas um ministro enquanto em Portugal foi logo o primeiro-ministro; em segundo enquanto na Alemanha se fazem umas tropelias para obter um grau de doutor, cá na terrinha foi mais mixuruca, ficámo-nos por uma simples licenciatura; em terceiro na Alemanha o ministro demitiu-se enquanto que cá não.
Tendo dito esta piadinha, considero que, dado o contexto de Portugal, não seria razoável que o primeiro-ministro de Portugal se demitisse na sequência das trapalhadas com a sua licenciatura mas isso é tema que daria grande desenvolvimento.
Lindo, lindo, lindo!Sugestao de sucessor da Titanic: http://www.titanic-magazin.de
Sobre o funcionamento das Democracias também, mas sobretudo, muito acima disso tudo, sobre a própria Vida: Razão, ou Emoção? Eis a eterna questão...
Qual das duas nos humaniza mais? A curto prazo, ou "no momento", será a emoção. Mas numa perspectiva a prazo, sem dúvida que é a razão. O problema é que as grandes questões da Humanidade, que são igualmente as de cada ser humano em concreto - logo a começar pela da sua própria sobrevivência e a acabar naquilo a que poderíamos chamar a Salvação - jogam-se em simultâneo nestes dois planos, o mediato, e o imediato.
Posso ter muita compaixão ("Mitleid", ou seja, "sofrer com") pelo Herr zu G., mas apesar disso admirar a sua coerência e mesmo felicitá-lo pela sua decisão, apesar de poder ter sido "o passo mais doloroso de toda a sua vida". A Democracia tem esse custo: o Povo tem de viver de cabeça erguida com as suas escolhas. Para poder ter respeito por si próprio. Como no processo de selecção (agora seleção...) natural, há regras a cumprir: se os bons homens imperfeitos forem indulgentes com as suas imperfeições, um dia sentirão que serem bons homens, afinal, não serve para nada. É que a perfeição pode não existir, que nem por isso deixa de ser preciso procurá-la...
Oxalá, portanto, o louvável sacrifício de zu G. não seja em vão, para o bem da Alemanha e da Democracia...
jj.amarante, não compare fraudes académicas graves, reconhecidas pelo próprio ex-Ministro alemão, com meras suspeitas de tablóides sensacionalistas, que aliás nunca foram objecto de interesse por parte das autoridades universitárias nacionais, muito menos judiciais. Dão piadolas interessantes e nada mais (e aí sim, reside uma grande diferença de nível entre Portugal e a Europa civilizada, mas a culpa disso não é do Sócrates, vem muito, muito lá de trás...).
Lindo mesmo, Rita.
jj.amarante,
um dos problemas deste homem é que se andava a armar que ele sim, ele é que era o incorruptível, o honesto, o transparente, o salvador do sistema. No melhor dos melhores dos panos caiu a nódoa, e que parva de nódoa que era.
Por outro lado, pense-se no exemplo do Willy Brandt (o seu secretário era espião), pense-se na representante da Igreja Evangélica que assumiu ao fim de um ou dois dias que o que se passara (ia a conduzir depois de ter bebido) era incompatível com a dignidade do cargo. É este o nível de qualidade e exigência a que os altos dignatários alemães nos habituaram, e era pena baixar a bitola. Eu sentiria isso com imensa tristeza - e até andei a pensar se me valia a pena tornar-me alemã...
Quanto às licenciaturas portuguesas tiradas ao domingo: já contei aqui, a seu tempo, de um colega meu de faculdade que durante um exame tentou copiar pela colega da frente e, como não conseguiu (ela recusou-se a passar as suas folhas para a mesa de trás...), no fim do exame foi ter com ela furioso, mas furioso mesmo, e gritou-lhe: "por tua culpa vou chumbar!"
Quer dizer: mesmo as tiradas à segunda, sabe-se lá...
Se em Portugal esses expedientes não fossem do mais corriqueiro que há, talvez eu fosse mais exigente com os políticos que recorrem a eles.
É mesmo o problema grave de Portugal: estamos todos tão enterrados na chafurdice, que não há como ser exigente. E, por outro lado, é preciso muita força para não aproveitar como todos os outros fazem.
Um pequeno exemplo: estou a tentar vender um terreno. Na discussão do preço com um interessado foi-me dito que me davam o dinheiro na mão, sem passar por um Banco. Isto são demasiados anos de Alemanha: o tempo que eu precisei para perceber qual é o interesse de me darem o dinheiro na mão...
E agora: aproveito, e poupo uns milharzitos, ou pago o que me compete como cidadã responsável de um país que ainda agora reduziu os abonos de família das famílias pobres?
Pois é: não me dá jeito pagar quando podia facilmente ocultar, mas isto são muitos anos de Alemanha, lá terá de ser...
Já vai tarde? Nós bem o avisámos aqui. Ele é que não nos deu ouvidos.
Pois. Nem ele, nem a Merkel, a quem aquela frase "nós queríamos um ministro, não queríamos um professor" se vai colar como uma peçonha.
Eles precisavam de um bom tradutor de português, é o que é.
A.Castanho,
são meras suspeitas?
Se algum tablóide sensacionalista tivesse problemas em relação à minha licenciatura, não demorava cinco minutos até eu lhe tirar todas as dúvidas. Tudo preto no branco.
Se alguém continuasse a ter dúvidas depois de ver o meu processo na universidade, isso seria difamação, e levava com um processo em cima, só para lhe resolver de vez as questões existenciais.
Acho que parte disto também tem a ver com a confiança nas instituições. Eu nao tenho dúvidas de que se o doutoramento de Guttenberg passou na universidade de Bayreuth, foi por falta de atenção. Falta de atenção que ela corrigiu em nome da sua credibilidade. Já a Universidade Independente, enfim, como dizer.
Segundo ouvi dizer, todos têm de prestar juramento sobre a qualidade do trabalho académico que fizeram.
É um bocadinho impensável que as universidades agora ponham dezenas de pessoas a verificar, parágrafo por parágrafo, se todas as citações foram feitas correctamente. A verdade é que ninguém esperava um descalabro destes!
Mais um motivo para ter uma reacção determinada. Nem pensar em deixar nas pessoas a ideia de que a desonestidade compensa.
Helena, o meu ponto é apenas o de que as situações do Barão e do Sócrates não são comparáveis. O Barão foi apanhado em flagrante por uma Instituição académica respeitável, que o puniu. E ele apenas retirou dessa evidência - tardiamente, lamente-se - as devidas consequências políticas.
José Sócrates apenas se licenciou numa Instituição desprestigiada (primeira diferença), a qual porém nunca questionou, ou foi legalmente forçada a questionar, o modo como concedia as suas Licenciaturas (segunda diferença). É claro que estamos num nível de jogo mais baixo, que não obriga de todo a qualquer assumpção (agora assunção) de consequências políticas. De licenciados da tanga está a nossa classe política cheia, como muito bem apontaste, só que a Política não é a Academia. Cada qual no seu devido lugar (um pouco assim como ontem a Democracia e a sabedoria...)!
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