Se bem entendi, para o pianista Alfred Brendel é Beethoven.
Ontem, passámos um belo serão na Filarmonia ouvindo este homem de oitenta anos falar sobre humor na música, e vendo-o interpretar alguns exemplos. Curiosamente, tocou imenso Beethoven, e também algum Haydn. Mas Mozart, que seria o exemplo mais evidente para todos, nem pensar. Segundo Brendel, as suas peças são de um perfeito equilíbrio formal - Mozart consegue surpreender ao oferecer-nos aquilo que se esperava -, enquanto algumas peças de Beethoven e de Haydn só podem ser compreendidas se lidas num registo de humor: passagens inesperadas, acordes dissonantes que surgem como se o pianista se tivesse enganado, gargalhadas repetidas nas notas mais graves, diálogos em pianissimo e fortissimo, repetições malucas, variações cujo tema parece ele próprio já uma variação.
Onde Mozart era um perfeccionista da surpresa dentro da norma, Beethoven era um brincalhão que nos dava o descabido. Quem diria!
Se eu fosse amiga dos meus leitores, escrevia agora à Filarmonia e pedia a lista das peças que ele tocou, só para vocês verem. Mas algo me diz que humor também é uma questão de interpretação: outro pianista não arrancaria ao público estas gargalhadas que nós ontem largámos enquanto Alfred Brendel tocava Haydn e Beethoven, com as mãos alegremente saltitantes sobre o teclado e um sorriso enorme. Pese embora o seu comentário, ao chegar ao fim de uma peça que nos fez rir a bom rir: "se um pianista não for capaz de pôr o público a rir com esta peça, mais lhe vale tornar-se organista".
Uma bela sessão, foi o que foi. Que me abriu um pouco mais o horizonte: nunca me tinha ocorrido que algumas passagens de um concerto para piano e orquestra pudessem ser para rir! Vou passar a estar mais atenta a esta faceta da música. Mas prometo que não me rio nos concertos, como é óbvio: é que não há muitos iniciados nestas artes, e os outros, os que não percebem nada disto, podiam sentir-se incomodados e olhar para mim com cara de "minha senhora, isto é uma coisa muito séria!"
Mas se me desse para desatar a rir, tinha um bom advogado de defesa: Alfred Brendel, que entre as tosses e os risos nos concertos, prefere...
...ora cá vamos a mais apostas: o que prefere Alfred Brendel, quem dá um palpite?
9 comentários:
Que sorte ver/ouvir o Brendel!! Lembro-me de ouvir um talk dele na BBC (há muiiiiito tempo) que foi uma auténtica delícia!
bjs
Não vai sair daqui que ele prefere as tosses. Ou vai?
Voltando aos humores. O de Mozart seria mais óbvio, penso eu, e o de Beethoven mais cerebral, penso eu também. Mas mais facilmente consigo imaginar o primeiro a dar gargalhadas enquanto passeava em Viena que o segundo. Contudo, posso estar redondamente enganado.
Chloe,
em inglês?
O homem é mesmo dotado.
Vê lá tu esta sorte (espero que sejas a Chloe que eu conheço, para estar a usar assim o "tu"!): o Matthias esteve no seu concerto de despedida em Berlim.
Eu gostei muito da palestrinha dele ontem. Brincalhão mesmo!
Paulo,
o Brendel disse algures que as peças do Mozart não eram uma carta à primalhada. Ele podia ter imenso humor, mas nas peças dele não entra em maluquices, falta-lhes essa componente de "deslocado" ou "descabido" que existe em algumas de Beethoven.
E na mesma entrevista acrescentou que é nas peças dos românticos que se encontra menos humor. Os clássicos tinham a vida mais fácil: como o standard estava muito bem definido, eles podiam brincar saindo do standard. No romântismo, o standard era sair fora, de modo que não havia como fazer brincadeiras.
Se eu fosse compositora nesse tempo, bem sabia como brincar: meter o standard anterior, fazer de conta que era Mozart.
(hihihi: "fazer de conta que era Mozart" - nada mais fácil...)
Beethoven podia ir pelo campo do "deslocado", porque já nem ele próprio sabia se era um clássico ou um proto-romântico. De maneiras que ia explorando caminhos.
Já a Viena de Mozart não apreciava ser confrontada. Ora bem, Mozart tinha que se contentar com o que lhe era permitido fazer, não fosse chocar os patronos que lhe davam o pão para a boca. Nem consigo imaginar o que ele teria feito se tivesse vivido mais umas décadas.
Uma delícia, uma delícia muito grande estes post!
:)))
Sou aquela Chloe :) O Brendel vive em Londres há trinta e muitos anos - até é um "honorary sir"!
Gosto muito mais de Beethoven do que Mozart. Quem tinha mais humor, não sei, mas Mozart bores me a bit!!!
Não vale.
Agora aparece o Haydn.
Não era só entre o Mozart e o Beethoven ?
Não me diga , Helena, que p Brendel diz que é o Haydn.
Eu mantenho o Beethoven :))
António,
isto é sobre humor, sobre sair do standard: meti o Haydn pelo meio para complicar, como o Beethoven fazia com os acordes inesperados...
O Brendel tocou muito Beethoven. Parece-me que isso responde à sua pergunta.
A explicação do Paulo parece-me muito boa: o Beethoven era um experimentalista do classicismo...
Chloe,
esconde-te!
Se a Teresa do Rantanplan aparece aí e lê o que escreveste, estás perdida!
;-) para a Teresa
;-) para a Chloe
Enviar um comentário