01 fevereiro 2011

Kai Hafez a propósito dos acontecimentos no Egipto

Entrevista na televisão alemã (aqui, em alemão): Kai Hafez, professor de Ciências da Comunicação, acabado de chegar do Egipto, após vários meses de trabalho numa universidade do Cairo.
Alguns excertos:
(...) Vive-se uma enorme euforia. Obviamente há algum temor, por parte de alguns cidadãos, no que diz respeito à segurança, mas de um modo geral este movimento é apoiado por praticamente toda a sociedade. (...)
Aquilo a que estamos a assistir no mundo árabe é fantástico. Poucas pessoas teriam considerado possível que se assistisse a uma - pode dizer-se - onda de democratização tão rápida. Estes acontecimentos vão provavelmente alterar o nosso modo de ver o mundo árabe. Durante demasiado tempo pensámos que aquelas populações não são capazes de viver em Democracia - os recentes acontecimentos apontam para o contrário. (...)
O exército tem uma boa relação com a população, ao contrário da polícia. Não se imagina uma situação como na China, com soldados a atirar sobre o povo. As declarações feitas ontem confirmam esta ideia, e admite-se até que os militares possam virar-se contra o regime para evitar mais violência. (...) Há algumas dúvidas quanto à guarda do Presidente, mas partimos do princípio que o exército não participará numa escalada de violência. (...)
Quanto à Irmandade Muçulmana: existem condições para que não se repita o que aconteceu no Irão. São uma entre as muitas forças que neste momento saem à rua, não estão de modo algum sozinhos, não têm grande poder, e - ao contrário do Irão em 1979 - não são liderados por uma figura carismática apoiada por toda a população. Já não estamos perante um movimento totalitarista, e pelo menos em parte existe nele a possibilidade de um desenvolvimento em direcção à Democracia. Penso que a Irmandade Muçulmana aceita eleições e parlamentarismo. Na área do secularismo já tem os seus problemas: aceitar a existência de outras religiões, da igualdade entre homem e mulher, também na área política... Mas penso que tudo isso vai ser nivelado neste movimento, dado que a Irmandade Muçulmana é uma entre muitas forças e vai ser por conseguinte obrigada a aceitar compromissos. Ou seja: do meu ponto de vista, estamos perante uma constelação ideal, da qual não é necessário ter medo.(...)
A Paz nesta região não está ameaçada. Já começava a ser tempo de apoiar movimentos democráticos de cidadãos nestas regiões, as sociedades civis estão muito mais avançadas do que até agora pensávamos, as pessoas querem Democracia, nas manifestações não se ouve qualquer slogan islâmico ou exigência de um Estado islâmico. Ainda não sabemos como vai terminar, mas se esta revolução conduzir à queda do regime, com certeza que se vão impor outras orientações políticas que acabarão por conduzir a um sistema de equilíbrio democrático.
Não prevejo instabilidade na região. Contudo, as coisas vão-se tornar desconfortáveis para as políticas externas ocidentais, pois muitas pessoas no mundo árabe continuam a sentir-se próximas dos palestinianos, muitas delas criticam a política americana no Iraque e no Afeganistão - tudo isso vai ter de ser renegociado. Mas penso que é justo negociar com parceiros democráticos no mundo árabe. Temos de fazer esse esforço! Não podemos continuar a apontar para o risco potencial dos islamistas como desculpa para impedir a democratização desses países. Penso que isso já não é possível.

(tradução do Speedy Gonzalez, como sempre, que ultimamente anda a fazer cara de "ou me dão um aumento, ou faço uma revolução")

4 comentários:

Ant.º das Neves Castanho disse...

Que bonito, um «25 de Abril» geral alastra pelo Norte de África (e Próximo Oriente?), quase quarenta anos depois do nosso!...

mdsol disse...

[Aproveito para fazer um agradecimento especial à(o) Speedy Gonzalez]


:))))

Helena Araújo disse...

mdsol,
ficou todo feliz, o moço!
;-)

A.Castanho,
pois é, segundo esta testemunha do que lá se passa, parece que temos bons motivos para nos sentirmos confiantes de que as coisas vão melhorar no Egipto.

Gi disse...

Oxalá tenha razão, eu ficaria muito contente pelos egípcios.