23 janeiro 2011

hoje já se pode falar sobre política, ou é para continuar a falar do tempo e assim?

  (foto daqui)

Se não se pode falar de política, pois falemos então de sapatos, ainda a propósito deste post, e de algo que não consigo entender: sendo certo que uma mulher tem de ser pelo menos duas vezes melhor que um homem para conseguir o mesmo cargo profissional, porque é que elas insistem em ir trabalhar com aquela roupa justa e incómoda, e sobretudo com sapatos de salto alto? Não entendo.
Vejo-as depois na rua, desequilibradas em cima dos cilícios, tentando fugir às irregularidades do passeio sem deixar cair a carteira e os sacos de compras do supermercado, às vezes ainda com miúdos pela mão, e não entendo.
Vejo-as a chegar a casa, a tirar os sapatos com um enorme suspiro de alívio, e - adivinharam! - não entendo.

Gosto do estilo Angela Merkel: roupa de trabalho. Quando vai a um concerto põe um vestidinho e até ousa um decote, mas quando está a trabalhar usa roupa de trabalho. Como os seus colegas homens, afinal.

E penso na história da Sereiazinha, de Hans-Christian Andersen, essa que queria a todo o custo dançar com o seu príncipe, e para isso trocou a cauda de sereia por pernas que lhe provocavam dores lancinantes. Reparem no pormenor muito significativo: para ganhar as pernas, perdeu a voz - aquele Andersen sabia muito.
Que príncipe é o destas mulheres, que fantástica miragem é essa pela qual elas estão dispostas a passar o dia inteiro a sofrer dores e desconforto, sorrindo e tentando fazer a melhor das figuras?

10 comentários:

Carla R. disse...

Neste momento considera-te a receber aplausos em pé e "Bravos !" de Paris.

Helena Araújo disse...

"Bravos!" ali dos lados da Rive Gauche?
;-)

Obrigada, obrigada.
Tens por aí um escudo anti-tomates? Não tarda nada, vamos ser bombardeadas.

snowgaze disse...

ó Helena, tu estás em grande! Mais um post fantástico! Tiro o meu chapéu.

Eu até gosto de ir para o trabalho de saltos, e de decotes, mas é porque não tenho vida ;) - se tivesse grandes festas ou ocasiões onde usar as roupas mais giras já iria mais vezes de calças e camisa para o trabalho. ;) E quanto ao sacrifício, olha que não é bem assim. Deve depender das pessoas e dos saltos, mas tenho sapatos de salto muito confortáveis. Ao ponto de já os ter usado em detrimento dos sapatos rasos que me estavam a dar cabo dos pés completamente (é uma longa história).
De qualquer forma, eu só ando como me sinto confortável, mas independentemente das pernas, garanto que não troco nada pela minha voz. :D

mcst disse...

Sapatilhas.
Serve?

Rita Maria disse...

Posso ser eu a atirar os tomates? Nem vou comentar a sugestão de que os homens vão confortáveis para o trabalho - quem te contou isso não foi de certeza alguém que usasse fato. E entre roupa justa e andar sempre de blazer como a Angela, nem hesito, mesmo estando ainda só a discutir o conforto.

Mas depois entram outros factores. Por exemplo os códigos sociais: podemos subvertê-los, claro, e devemos se não concordamos com eles, mas mantê-los pelo menos em perspectiva torna o nosso trabalho mais fácil, porque nos insere num contexto e num paradigma. Só quem nunca sentiu isto na pele ao ir mal vestido a uma ocasião de trabalho é que não compreende isto. Juntando a isto o facto de nos sentirmos mais confiantes se acharmos que estamos mais bonitas e o trabalho fica duplamente facilitado.

O resto é estética e não me parece nada que seja irrelevante. É a discussão fforma vs função. Imensos estudos sugerem que decorar escritórios de forma atraente, visualmente estimulante e criativa aumenta a criatividade e a produtividade. Ora no escritório como em casa, uma mesa é só uma mesa.Porque é que escolhemos aquela mais bonita, mais cara, com que temos de ter mais cuidado e que ainda por cima dá muito trabalho a limpar em vez da outra resistente e feia?

Não vejo nenhum machismo nos saltos altos nem acho que as mulheres abdiquem de voz nenhuma nem quando os usam porque gostam nem quando abdicam deles porque não os apreciam ou porque ignoram que podem ser confortáveis se forem bons - o facto de haver muitas que já não tinham voz nem nada para dizer e que encontrem neles infinito tema de paleio é só uma coincidência infeliz.

Em resumo: secretária decorada, sapatos giros, bicicleta linda, quadros nas paredes e o mais que venha tornar os dias mais bonitos e acordar os sentidos!!

PS: Uma forma versus função para o teu lado: de saltos torce-se muito menos os pés. Sem comparação sequer.

PPS: Disclaimer geral: a Helena tem pernas de dois metros ;) ;)

Helena Araújo disse...

Snowgaze,
além do óbvio :-D deixa-me acrescentar que não percebo nada de saltos altos (eu sou mais sola rasa biqueira larga) e estou a falar do que observo sobretudo em Portugal: mulheres carregadas de compras e crianças, correndo periclitantes e sem graça sobre a calçada. Se pensavam que punham aqueles sapatos para ficar mais giras, correu-lhes mal. E de sapatilhas, como diz a Céu, era-lhes bem mais fácil.

Helena Araújo disse...

Rita,
eu aqui descansadinha, a pensar que por estares em Nova Iorque não tens acesso a estas coisas que escrevo, e a alargar-me em temas controversos pensando que não tinhas como me atirar tomates...
;-)

Ora então, por pontos:
- Há fatos de homem incrivelmente confortáveis. Costumam ser um bocado mais caros, mas vestem-se como um pijama. Bem, também há fatos femininos incrivelmente confortáveis - tenho um desses, estava com 70% de desconto na Evelin Brandt (Mode aus Berlin, "Fashion for the independent woman").
- Uma mulher pode andar bonita e confortável. Não precisa de ser sempre calças de ganga. Além disso, o meu fato Evelyn Brandt é mais confortável que calças de ganga.
- Mas a questão principal é essa: "bonita". O filme de que falava no outro post diz que as mulheres estão sujeitas a uma permanente campanha que altera a maneira como se vêem a si próprias - seu valor intrínseco e o seu papel na nossa sociedade. Em muitas das tuas frases reflecte-se o efeito dessa campanha. Alguns exemplos:
-- sentimo-nos mais confiantes se acharmos que estamos bonitas (isto é a base para vender tudo, desde cremes faciais até collants sexy)
-- o exemplo da decoração do escritório (quem se lembraria de comparar um profissional à decoração do escritório? quem se lembraria de escolher um novo funcionário homem segundo critérios estéticos, para além do básico fato-gravata? quem se lembraria de esperar que a aparência de um homem tornasse a paisagem do escritório mais bonita?)

Anda por aí: às mulheres pede-se mais que aos homens. Porquê? E porque é que as mulheres aceitam entrar nesse jogo?

Mais: porque é que as mulheres aceitam apresentar-se de forma sexy? É para elas que se põem sexy? Ou para os homens que as vêem? Porquê?

Sobre sapatos de salto alto, e como disse atrás à snowgaze: só sei o que vejo. Observa as portuguesas na rua, e vais ver a que sacrifícios me refiro. E também há a história daquela minha amiga que telefonou ao marido para a ir buscar a casa e levar à festa, porque em cima dos seus Louboutin caríssimos mal conseguia andar, quanto mais conduzir.
Mas se me dizes que há sapatos de saltos altos tão confortáveis como o meu fato lindíssimo e confortável como um pijama, então pronto, já cá não está quem falou.

Nota, antes que chovam ainda mais tomates: é óbvio que não estou a dizer que todas as portuguesas ficam tristemente ridículas em cima de saltos altos. Até desconfio que uma bloguista que por aqui passa muitas vezes fica sempre bem. Mas já vi muitas vezes os saltos altos associados a desconforto - só isso.

Helena Araújo disse...

Hiii, agarrem-me que estou imparável...
Achamos normal uma mulher andar com um decotezinho agradável. Achamos estranho que um homem ponha gel no cabelo (bom, nem todos, mas muitos dos que acham o decote bem acham o gel mal). Se um homem fosse trabalhar com roupa sexy, o mais provável era perder um pouco o respeito dos colegas. Ou não?

Rita Maria disse...

É que já estou com um pé aí e me deram as saudades...

Não comparei as mulheres a um escritório, só tentei discutir a influência da estética na forma como eu trabalho. Não estava a sugerir que as mulheres terem roupas de que gostavam ia deixar os homens ou os colegas delas mais produtivos, estava a dizer que acredito que, para a maioria das pessoas rodear-se de objectos que consideram visualmente atraentes, como mesas ou sapatos, pode aumentar a sua produtividade. Não a dos outros, claro.


Quanto ao resto, acho bom separar as águas. Acho que nos tentam transmitir expectativas irrealistas para que andemos insatisfeitas, mas também acho demasiado negar que as pessoas vivem mais felizes quando se sentem melhor consigo próprias, homens ou mulheres. Na maioria dos casos, sentem-se melhor consigo próprias se estão mais bonitas - aqui há de facto também uma pressão social, mas ela não constitui, a meu ver, a todo da questão. Eu, que até vou trabalhar de calças de ganga muitas vezes, noto-o muito, se achar que aquelas calças específicas me ficam mal ou que o cabelo está a começar a ficar sujo.

Eu desconfio que tu acreditas tanto nos saltos altos pés-nas-nuvens como eu nas gravatas confortáveis e ainda por cima tenho a certeza de que, com elevada probabilidade, um fato macaco era mais indicado para a maioria das profissões. Mas isso depois retirava-lhes o status...não é esta pressão bem pior?

PS: Os homens infelizmente usam gel no trabalho, mas isso não é estranho porque seja sexy. É estranho porque não só não é sexy como ainda por cima tenta sê-lo de uma maneira óbvia e arrivista, pelo que sempre deselegante e nunca sexy nem apropriado, tirando nalguns casos em que não se vê mesmo.

Helena Araújo disse...

Rita,
à parte os pontos em que estamos de acordo, ;-) , deixa-me dizer que o problema central é o modo como uma mulher se vê e o que a leva a ver-se e autocriticar-se assim. Uma coisa é tu achares que essas calças te ficam mal (às tantas até tens razão) e outra coisa é achares que tens de sair à rua com o mesmo ar e a mesma cara com que aquelas lambisgóias fotoshopadas aparecem na Vogue, e que enquanto não chegares aí não estás bonita.
Quais são os teus critérios de beleza feminina, e como foram adquiridos? Estás disposta a sofrer para bela ser? (e quem definiu esse conceito de "bela" que te faz sofrer?)

Vá: não tenho nada contra a snowgaze ir de saltos altos para o trabalho. Mas se ela chega a casa e tira os sapatos com um grande suspiro de alívio, aí já me parece que alguma coisa está a correr mal.
Se queres saber: também acho uma parvoíce os homens andarem de gravata no trabalho.