21 outubro 2010

integração - um post de 2006 (ai, como o tempo passa, e nada muda)

Em 24 de Abril de 2006 escrevi um post sobre o tema Integração, que passo a seguir. Gosto imenso do ponto I, onde se sugere que o Papa (o Joseph Ratzinger!) não poderia tornar-se alemão porque não aceita a homossexualidade...

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Aqui na Alemanha, o debate sobre a integração está na ordem do dia.

Deixo alguns apontamentos soltos:


I. De uma entrevista publicada na Stern de 30.03.06, com Daniel Cohn-Bendit e Armin Laschet (ministro de um novo ministério em Nordrhein-Westfalen que parece uma sopinha de letras: gerações, família, mulher e integração. O governo é uma coligação CDU/FDP):

Stern: Em todo o caso, o questionário [teste para os estrangeiros residentes que querem a nacionalidade alemã] tornou claro que a tolerância em relação aos homossexuais é parte fundamental da cultura alemã.

Laschet: Isso foi quase reeducação Verde para os eleitores CDU. Mas essas questões não são da conta do Estado. Todos sabem o que o Papa pensa sobre a homossexualidade. Tendo isso em conta, ele não se poderia naturalizar alemão em Baden-Württemberg.

(E ainda dizem que os alemães não têm sentido de humor: conhecendo a rivalidade que há entre Bayern e Baden-Württemberg, é muito engraçado imaginar esta Land
a recusar a naturalização ao Ratzinger.)

A piada levanta uma questão interessante: exige-se aos estrangeiros que se queiram naturalizar que sejam mais "germanofundamentalistas" que qualquer alemão. Não apenas em termos de cultura geral (uma portuguesa que mora em Bayern, falou
recentemente disto: fez um desses testes, deu-o aos colegas alemães, e descobriu que ela passaria o teste, mas eles não), mas também em termos de liberdade de
opinião. O Ratzinger pode-se dar a esse luxo, mas os turcos...


II. No Sabine Christiansen de ontem, Gregor Gysi (do partido Die Linke, outra sopa de letras) afirmou que, curiosamente, os bairros onde há mais estrangeiros
(o quase gueto turco que é Berlin-Kreuzberg, por exemplo) não votam à extrema direita. Os fenómenos de xenofobia surgem nas regiões onde há poucos estrangeiros. E acrescentou: temos anti-semitismo sem judeus, anti-comunismo sem comunistas, xenofobia sem estrangeiros.

Tememos o que desconhecemos.

Lembra-me um estudo que já referi aqui, feito em Israel: pediram a crianças israelitas que escrevessem cartas a crianças palestinianas, e o nível de ódio aumentava na medida inversa do contacto com palestinianos. Os que conheciam de perto crianças palestinianas lamentavam-se que a paz não fosse possível entre os dois povos.

No mesmo programa obrigaram um imã a explicar porque se recusava a apertar a mão de uma mulher, e ele disse que a religião não deixava e além disso tinha prometido à mulher dele que nunca tocaria noutra mulher. Foi muito engraçado.
Mas, por outro lado, ao ver o presidente iraniano aos beijinhos a um correligionário (foram 5, que eu contei: esquerda, direita, esquerda, direita, e mais um que levou de lambuja no pescoço, quando julgava que já tinha dado beijos suficientes), imaginei como nos sentiríamos se o nosso Cavaco Silva fosse visitar países árabes e desatasse aos beijinhos aos políticos de lá, esquerda,
direita, esquerda, direita, e mais um no pescoço. Ui, que nojo.


III. Recentemente perguntaram-me se tenho receio de ser vítima de neo-nazis. Respondi que tenho os meus truques: mantenho a boca bem fechada e só atravesso a rua quando está verde para peões. Tenho sorte, sou branca - não dou nas vistas. Há por aí muita gente com pele escura ou cara de asiático que já aprendeu a evitar certas ruas, certos bares, certas horas. Ia acrescentar que alguns deles fazem parte de uma certa elite a nível mundial, pessoal que vem para cá fazer pós-graduações e promove um alargamento das redes internacionais, mas este facto
nada acrescenta - excepto por revelar um país que, devido a uma pequena percentagem de idiotas, pode ficar mais excluído das redes de progresso.

Todo um país? Não sei: o fenómeno é bastante visível na antiga RDA e em Berlim. Dizem-me que na parte ocidental não é assim.


IV. A televisão de Weimar, que é uma espécie de jornal paroquiano em versão televisiva, passou hoje uma reportagem sobre a violência na cidade. A entrevistadora apanhava incautos na rua e perguntava-lhes se agora há
mais ou menos violência, e porquê. A partir do momento em que uma adolescente disse que na turma dela havia muitos estrangeiros violentos, a entrevistadora começou a perguntar aos outros se a culpa da violência em Weimar era dos estrangeiros, e ninguém lhe respondeu "que estrangeiros?".

São cerca de 4% da população, e a maior parte deles são estudantes da Bauhaus. Os que conheço são pessoas afáveis e pacíficas. Os miúdos violentos que conheço são
alemães - e isto é uma tautologia inevitável por motivos meramente estatísticos.

Estava para escrever uma carta ao pasquim televisivo, protestando por empolarem um problema que nem chega a existir e por usarem a palavra "estrangeiros" com tanta
irresponsabilidade.
Mas sei lá - se calhar isto também é liberdade de expressão...
Além disso, estou com vontade de dar razão a toda a gente. Já que sou estrangeira, aproveito e vou lá partir tudo.

4 comentários:

Paulo disse...

Obrigado por teres republicado o texto. Em 2006 eu ainda não existia.

Helena Araújo disse...

Paulo, só cá para nós, que ninguém nos ouve: andei a passear nos arquivos deste blogue, e tem uma ou outra coisinha engraçada.
(não está aqui mais ninguém, pois não? então confesso-te: fiquei com vontade de me dar uma palmadinha nas costas...)

Paulo disse...

Aproveita e dá-a, que é bem merecida.

Helena Araújo disse...

Só cá para nós, Paulo:

:-)