30 agosto 2010

de engenheiro e de mouco todos temos um pouco...

No aeroporto português, o passageiro idoso que estava sentado ao meu lado interessou-se pela notícia que eu estava a ler no jornal Süddeutsche. Começou por falar em alemão, depois passou para inglês. Perguntei-lhe que língua falava. "Hebraico", foi a resposta. O pai dele tinha sido alemão.
Revelei então que o artigo era sobre uma tenista israelita que é precedida por ódio anti-semita em quase todos os torneios internacionais nos quais participa.
- E como é que ela reage a isso?, perguntou. A adversidade torna-a melhor?
Eu ainda ia no início do artigo, não sabia.
Ele falou do horror de viver permanentemente rodeado por ódio. Referiu as guerras, contou que foi soldado ou oficial em quatro delas, e afirmou o direito de Israel a retaliar com muito mais força que a usada pelos seus inimigos. E que por isso é tão criticado e odiado, mas não deixará de o fazer, porque está em causa a sua sobrevivência. Disse-me ainda que, como turista, não preciso de ter preocupações de segurança em Israel - basta que me mantenha longe das zonas de fronteira.
Então perguntei-lhe qual era, na sua opinião, a melhor maneira de resolver o problema entre Israel e os palestinianos.
Respondeu-me que não sabia, que era apenas engenheiro. E foi-se embora.

Fiquei desapontada. Mas logo me passou, quando me lembrei dos ciganos europeus e do pouco espaço que eles ocupam nas minhas preocupações. Que autoridade moral tenho eu para o criticar? No fundo, também "sou apenas engenheira", não tenho nada a ver com os problemas dos outros. Posso seguir caminho, cega e surda aos sintomas de miséria.

(Sim, eu sei: isto está mal comparado. Há diferenças substanciais entre a situação dos ciganos e a dos palestinianos. Mas também vários pontos em comum, quer em termos da assimetria de poderes, quer em termos das suas condições de vida e dos - poucos - esforços feitos para melhorar estruturalmente a situação.)

4 comentários:

António P. disse...

boa noite Helena,
pensei que fosse explorar a pergunta do engenheiro " a advesridade torna-a melhor ".
Enganei-me.
Fico à espera de próximos posts.
E uma boa semana

Helena Araújo disse...

Olá António,
se quer que responda a isso: não sei bem. Ela também alimenta essa adversidade - assume a sua condição de israelita, exibe nos sapatos a estrela de David. Por outro lado, diz que não escolheu aquela condição.
Não temos como comparar a sua situação com ódio com a sua situação sem ódio. É como é: bancadas cheias de pessoas que assobiam, mostram cartazes ofensivos, etc., e ela a jogar o melhor que pode no meio disso.
Contou que uma vez se chegou a perguntar se estaria a jogar terrivelmente mal, porque das bancadas não vinham apupos.

Rita Maria disse...

É verdade, somos apenas engenheiros. Mas depois há aquele teu "comece por qualquer lado" que tenho inscrito no coraçao.

Helena Araújo disse...

Sim, é verdade e obrigada por mo lembrares.
Este episódio está aqui apenas como exercício de humildade: antes de atirar uma pedra ao telhado dos israelitas, deixa-me olhar melhor para os telhados que tenho...