Tenho a impressão que os portugueses que não vivem em Portugal não se envergonham assim tanto do Sócrates. Eu acho que ele faz boa figura, em geral. E acho que aquilo de subir os impostos enquanto o pessoal estava de férias a ver o Papa foi genial. Pronto, se calhar tinha mesmo que ser, se calhar havia outras hipóteses, mas o timing foi estratégico. Quanto às línguas, é mais fácil para a comunicação arranhá-las e dar-lhes uns pontapés a utilizar intérpretes. E isto é a experiência a falar ;).
Além disso, tu sabes a que preço está um intérprete? Se ele fosse para Espanha com intérprete, também ralhavam: parece impossível, o país neste estado e tal, e o preguiçoso anda de intérprete na comitiva... Como se os portugueses e os espanhóis não se entendessem perfeitamente em portunhol.
O velho, o rapaz e o burro.
Já quanto ao aumento dos impostos, estou perplexa: num país onde há tanta gente a viver ali para os lados do limiar da pobreza, ela vai e aumenta 1 ponto percentual no IVA também dos produtos alimentares?
Helena, saberás por acaso que Portugal, apesar de tanta gente a viver ali para os lados do limiar da pobreza, é dos Países europeus em que a venda percentual de produtos brancos é menor? Inclusivé que na própria Alemanha? Como educar, senão com o pau, um Povo que teve tantas décadas de cenoura e não se conseguiu educar?
Conheces a Economia melhor do que eu: se não puderem comprar tanto vinho e tanto bife, talvez percebam finalmente que a água da torneira, o leite, o arroz e o feijão ainda fazem melhor à saúde!
Estamos num ponto de viragem importante, disso não tenho dúvidas. Não sei é ainda lá muito bem para onde...
Posso discordar? Posso? Posso? É que eu acho que os bons intérpretes ajudam muito nestas coisas. O sr. Sousa que hable directamente com o seu amigo Zapatero mas em reuniões, conferências e coisas assim peça tradução simultânea.
Snowgaze, subir impostos enquanto o pessoal estava distraído (e os funcionários públicos dispensados de serviço, note o requinte) vem numa longa tradição do funcionalismo público, em que por exemplo os concursos para admissão de pessoal são normalmente publicados nos primeiros dias de Agosto ou nos últimos de Dezembro.
A Alemanha é um péssimo exemplo para comparar, porque, como dizia a avó do Joachim: se queres poupar, aprende com os ricos.
Aqui, à porta dos Lidls e outros discounter há muitos Mercedes. As pessoas não têm a menor vergonha de comprar barato. Enquanto que no Brasil, país onde a pobreza é alarmante, esse sistema não pegou. Os pobres sentiam-se ainda mais humilhados ao comprar as coisas que nem sequer eram tiradas dos caixotes.
Não é fácil ser pobre (ai que lapalissada) mas é muito fácil dizer aos pobres o que é que eles podem fazer melhor.
O limiar de pobreza em que estava a pensar não é carne e vinho: é mesmo sopinha de feijão para enganar a fome. É um subsídio de viuvez de 186 euros, para chegar para o mês todo.
Por outro lado, no meu tempo de estudante tinha colegas que vinham de carro para a faculdade, mas recebiam uma bolsa do Estado porque o pai, empresário, coitadinho, não ganhava o suficiente para ter o rapaz a estudar. Espero que isso já não exista.
Gi: claro que não pode discordar! Isto são dois dedos de conversa, mas um faz eco do outro... ;-)
Chegada aqui, passo: não sei se ele fala bem ou mal, se se entende ou não, se precisa de tradutor ou não.
Mais ou menos a propósito: há um livro genial, de Javier Marias, "meu coração tão branco", onde se fala muito de tradução. Achei-o de leitura difícil, volta e meia tropeçava nalguma frase, mas, chegada ao fim, todas aquelas frases em que eu tropeçara apareceram encadeadas como um glorioso final de sinfonia. Fantástico.
Quanto ao timing dos impostos: aceitando sem reservas "que las hay las hay", o timing, digo, admito que desta vez tenha sido mais por acaso. Entre a crise da Grécia e a Europa a exigir que todos tomassem medidas drásticas não passaram muito dias. Esta semana é a vez de na Alemanha se andar a falar disso. Ai. Mas pelo menos poupam os desempregados e os mais fragilizados. E, atenção, não há comparação entre pobres portugueses e pobres alemães. Embora os de cá se sintam muito infelizes: a pobreza é sempre uma questão relativa, e não tem a ver apenas com dinheiro.
Lá isso é verdade... Mas voltando à vaca (o bife) fria (o vinho, branco), claro que eu sei que tu estavas a pensar nesse limiar de pobreza extrema, que serão os tais 186 euros mensais de pensão de viuvez. Mas quantas pessoas em Portugal auferem essa miséria? Só mesmo quem nunca descontou! E quantas pessoas se estimam que continuem a auferir essa miséria daqui por, digamos, dez ou quinze anos? É uma função decrescente, sim, como bem sabes. Convergente e o seu limite (muito antes de t=infinito...) é mesmo ZERO!
Ou seja, tenho de passar rápidamente na "Pordata" (já conheces, não?) para tentar perceber quantas pessoas em Portugal, actualmente, estão mesmo no limiar da pobreza, ou para lá dele. Porque todos falam tanto dessa faixa de portugueses e eu, talvez por sorte, nunca me cruzo na rua com nenhum. Ou melhor, sim, eu vejo pobres na rua (não estou a falar dos indigentes, que são outro problema, social, não económico), estou a falar do choque que me me provocam aqueles que falam da pobreza como se nunca tivesse havido MISÉRIA em Portugal! Eu ainda me lembro do tempo em que se emigrava para não se morrer à fome e comparar esses tempos com os actuais é quase um insulto a quem suava diáriamente nesses tempos e passava fome, frio e toda a sorte de privações! Eu sou do tempo em que a cem metros da minha casa moravam centenas de pessoas em barracas! e num raio de um quilómetro, dentro da bela Lisboa, moravam milhares em barracas!! Estou em crer que o limiar da pobreza é um conceito chocantemente fluido, isto mesmo sem saír de Portugal. E acho, muito sinceramente, que muita da pobreza actual resulta apenas da ganância e do desvario consumista em que nos deixámos todos afogar!
Basta ver a quantidade de carros "quitados" que se passeiam pelos arredores (cada vez mais imensos...) de Lisboa, sobretudo à noite... Pobreza? Sim, nas zonas industriais deprimidas do Norte, admito que sim (estou muito longe para poder contactá-la). Mas no Centro e Sul, incluindo Lisboa e o Algarve, na maior parte dos casos queixar-se da pobreza é insultar quem é mesmo pobre...
Vou falar do mundo rural - em termos de pobreza, é o que conheço menos mal. Na minha aldeia, meio dia de trabalho feminino custa 10 euros. Isto é um salário de fome. Se essa mulher fizer os descontos, fica um salário de miséria. Também conheço um pouco o caso da indústria têxtil. Nomeadamente uma costureira que trabalha há mais de vinte anos, é excelente, e continua a receber salário mínimo. Além de a dona da fábrica passar a vida a dizer que vai ter de fechar, e obrigar toda a gente a fazer horas extraordinárias, contra a crise.
E depois, há o modo como esta gente é tratada pelo SNS, que também ajuda como pode para reduzir o seu número...
Quem sabe muito disso é o Bruto da Costa. Em 2008 publicou os resultados de um novo estudo sobre a pobreza em Portugal. http://www.publico.pt/Sociedade/pobreza-em-portugal-e-preciso-subir-os-salarios-e-diversificar-fontes-de-rendimento_1329698
A Pordata não diz tudo - aliás, não diz o principal. Não explica, como o Bruto da Costa, que a questão não é comparar com os nossos avós, ou com os mais paupérrimos africanos, mas com os outros miúdos da escola, com o que é normal na rua. Aí entra o que dizes: num país obcecado pelo consumo, quem tem menos sente-se pobre mesmo que não esteja a morrer de fome.
Os pobres que eu conheço vão ser realmente afectados pelo aumento do IVA. Vão comer ainda mais sopa de feijão, vão cortar ainda mais na carne. Vão ter ainda mais dificuldades para ter os filhos na escola. E estes vão-se sentir ainda mais infelizes, por comparação com o que os outros miúdos têm.
Finalmente: a pobreza não é apenas uma questão pessoal, de gente que é "preguiçosa" ou "teve azar na vida". É uma questão fundamental do nível civilizacional de um país, sinal das opções de desenvolvimento económico e social que este fez.
No caso concreto: porque é que as novas medidas de austeridade incidem sobre o consumo de bens alimentares? Porque é que não optam por reduzir mais drasticamente os salários e as reformas dos que mais ganham, ou aumentar muito mais o IVA dos bens de luxo? Desconfio que, como tu dizes, os verdadeiros pobres estão demasiado longe da capital. Longe da vista, longe do coração.
Tens razão em muitos aspectos. As classes dirigentes e poderosas (incluindo os governantes, mas igualmente os oposicionistas, os analistas, os especialistas, etc.) só contactam com a "pobreza" através das estatísticas e elas não dizem tudo. E às vezes o que está para além do óbvio também é muito importante (obrigado pelo "link", hei-de ir consultar o Bruto da Costa, porque na "Pordata" de facto não dei com nada que me esclarecesse sobre este assunto).
Para abreviar, que o tempo é um bem muito escasso, eu não digo que não haja pobreza em Portugal, quer em absoluto (pessoas com muito poucos recursos, mesmo que sem culpa própria disso), quer em termos relativos (os tais que se "sentem" pobres, por motivos vários, alguns válidos, outros nem tanto). O que me parece inquestionável é que há muito menos verdadeiros pobres do que aquilo que muitas vezes se quer fazer crer, quer pela Esquerda (que representa os ex-pobres do Passado e que hoje, em muitos casos, vivem como nunca sonharam viver!), quer pela Direita (que considera "pobres" as Famíliazinhas cujos passam fome, literalmente, para manterem o seu BMW, o seu belo apartamento e as suas ricas viagens anuais à República Dominicana)! Disso vê-se muito em Lisboa e arredores.
Ou seja, há muita pobreza falsa que, não devendo servir para esconder a verdadeira pobreza, deveria ser mais claramente denunciada, em termos políticos, para se começar a perceber melhor a raiz de toda a situação económica em que estamos mergulhados, e continuaremos a estar durante alguns anos. Criando uma situação potencialmente explosiva, a prazo, quando a geração dos nossos Filhos se der conta de que a sua desgraça foi provocada pelos desvarios da geração dos seus Pais! Isso pode ser trágico para a coesão social. E não só em Portugal, como começa a vir à tona na Grécia e poderá alastrar, muito naturalmente, aos Países ibéricos e à própria Itália...
Quanto à tua última questão penso que saberás melhor do que eu quão irrisório é o volume de impostos que se pode ir buscar aos artigos de luxo, pois quem os adquire pode sempre fazê-lo através da importação ou, até, da economia paralela. Se é mesmo para ter receitas seguras já até ao fim do ano, tens mesmo que ir buscá-las a quem não foge ao fisco. E olha que, para os parâmetros actuais do perfil de consumo típicamente português, comer menos carne e menos feijão poderá ser não só muito profiláctico para a saúde, como até pedagógico para a formação dos adultos conscientes de amanhã.
Olha o que seria de mim, por exemplo, se não comêssemos tanta sopinha e saladinhas em vez de bifanas e entrecosto! E olha que, com uma cozinheira como a Ju, ninguém lá em casa se queixa desse tipo de comidinha...
Ouvi dizer que na Grécia agora estão a vender os iates ao desbarato. É que o Governo anda atrás dos sinais exteriores de riqueza. Muito simples: verificar quantos impostos pagam os proprietários dos iates (e outros bens de luxo) e averiguar se a letra bate certo com a careta...
Quanto ao que os pobres comem: os que eu conheço estão numa situação de não poder escolher entre carne ou feijão. É muito mais feijão que carne. Podemos discutir se feijão é mais saudável e ecologicamente correcto, e tal, mas estamos a falar literalmente de barriga cheia sobre as escolhas alimentares de pessoas que não têm escolhas.
A coesão social também passa por termos mais sensibilidade quando falamos dos "lá de baixo". Tanto mais que não é normal (e não é culpa individual) uma pessoa trabalhar a tempo inteiro e não ganhar o suficiente para viver com dignidade. Dignidade medida em termos do que é normal no país dessa pessoa. Como é que um salário mínimo actual permite pagar alimentação, habitação, saúde, educação e vestuário mesmo que seja apenas para uma pessoas sozinha, sem responsabilidades familiares?
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Tenho a impressão que os portugueses que não vivem em Portugal não se envergonham assim tanto do Sócrates. Eu acho que ele faz boa figura, em geral. E acho que aquilo de subir os impostos enquanto o pessoal estava de férias a ver o Papa foi genial. Pronto, se calhar tinha mesmo que ser, se calhar havia outras hipóteses, mas o timing foi estratégico. Quanto às línguas, é mais fácil para a comunicação arranhá-las e dar-lhes uns pontapés a utilizar intérpretes. E isto é a experiência a falar ;).
Além disso, tu sabes a que preço está um intérprete?
Se ele fosse para Espanha com intérprete, também ralhavam: parece impossível, o país neste estado e tal, e o preguiçoso anda de intérprete na comitiva...
Como se os portugueses e os espanhóis não se entendessem perfeitamente em portunhol.
O velho, o rapaz e o burro.
Já quanto ao aumento dos impostos, estou perplexa: num país onde há tanta gente a viver ali para os lados do limiar da pobreza, ela vai e aumenta 1 ponto percentual no IVA também dos produtos alimentares?
Helena, saberás por acaso que Portugal, apesar de tanta gente a viver ali para os lados do limiar da pobreza, é dos Países europeus em que a venda percentual de produtos brancos é menor? Inclusivé que na própria Alemanha? Como educar, senão com o pau, um Povo que teve tantas décadas de cenoura e não se conseguiu educar?
Conheces a Economia melhor do que eu: se não puderem comprar tanto vinho e tanto bife, talvez percebam finalmente que a água da torneira, o leite, o arroz e o feijão ainda fazem melhor à saúde!
Estamos num ponto de viragem importante, disso não tenho dúvidas. Não sei é ainda lá muito bem para onde...
Posso discordar? Posso? Posso? É que eu acho que os bons intérpretes ajudam muito nestas coisas. O sr. Sousa que hable directamente com o seu amigo Zapatero mas em reuniões, conferências e coisas assim peça tradução simultânea.
Snowgaze, subir impostos enquanto o pessoal estava distraído (e os funcionários públicos dispensados de serviço, note o requinte) vem numa longa tradição do funcionalismo público, em que por exemplo os concursos para admissão de pessoal são normalmente publicados nos primeiros dias de Agosto ou nos últimos de Dezembro.
A Alemanha é um péssimo exemplo para comparar, porque, como dizia a avó do Joachim: se queres poupar, aprende com os ricos.
Aqui, à porta dos Lidls e outros discounter há muitos Mercedes. As pessoas não têm a menor vergonha de comprar barato. Enquanto que no Brasil, país onde a pobreza é alarmante, esse sistema não pegou. Os pobres sentiam-se ainda mais humilhados ao comprar as coisas que nem sequer eram tiradas dos caixotes.
Não é fácil ser pobre (ai que lapalissada) mas é muito fácil dizer aos pobres o que é que eles podem fazer melhor.
O limiar de pobreza em que estava a pensar não é carne e vinho: é mesmo sopinha de feijão para enganar a fome. É um subsídio de viuvez de 186 euros, para chegar para o mês todo.
Por outro lado, no meu tempo de estudante tinha colegas que vinham de carro para a faculdade, mas recebiam uma bolsa do Estado porque o pai, empresário, coitadinho, não ganhava o suficiente para ter o rapaz a estudar. Espero que isso já não exista.
Gi: claro que não pode discordar!
Isto são dois dedos de conversa, mas um faz eco do outro...
;-)
Chegada aqui, passo: não sei se ele fala bem ou mal, se se entende ou não, se precisa de tradutor ou não.
Mais ou menos a propósito: há um livro genial, de Javier Marias, "meu coração tão branco", onde se fala muito de tradução. Achei-o de leitura difícil, volta e meia tropeçava nalguma frase, mas, chegada ao fim, todas aquelas frases em que eu tropeçara apareceram encadeadas como um glorioso final de sinfonia. Fantástico.
Quanto ao timing dos impostos: aceitando sem reservas "que las hay las hay", o timing, digo, admito que desta vez tenha sido mais por acaso. Entre a crise da Grécia e a Europa a exigir que todos tomassem medidas drásticas não passaram muito dias.
Esta semana é a vez de na Alemanha se andar a falar disso. Ai. Mas pelo menos poupam os desempregados e os mais fragilizados. E, atenção, não há comparação entre pobres portugueses e pobres alemães. Embora os de cá se sintam muito infelizes: a pobreza é sempre uma questão relativa, e não tem a ver apenas com dinheiro.
Lá isso é verdade... Mas voltando à vaca (o bife) fria (o vinho, branco), claro que eu sei que tu estavas a pensar nesse limiar de pobreza extrema, que serão os tais 186 euros mensais de pensão de viuvez. Mas quantas pessoas em Portugal auferem essa miséria? Só mesmo quem nunca descontou! E quantas pessoas se estimam que continuem a auferir essa miséria daqui por, digamos, dez ou quinze anos? É uma função decrescente, sim, como bem sabes. Convergente e o seu limite (muito antes de t=infinito...) é mesmo ZERO!
Ou seja, tenho de passar rápidamente na "Pordata" (já conheces, não?) para tentar perceber quantas pessoas em Portugal, actualmente, estão mesmo no limiar da pobreza, ou para lá dele. Porque todos falam tanto dessa faixa de portugueses e eu, talvez por sorte, nunca me cruzo na rua com nenhum. Ou melhor, sim, eu vejo pobres na rua (não estou a falar dos indigentes, que são outro problema, social, não económico), estou a falar do choque que me me provocam aqueles que falam da pobreza como se nunca tivesse havido MISÉRIA em Portugal! Eu ainda me lembro do tempo em que se emigrava para não se morrer à fome e comparar esses tempos com os actuais é quase um insulto a quem suava diáriamente nesses tempos e passava fome, frio e toda a sorte de privações! Eu sou do tempo em que a cem metros da minha casa moravam centenas de pessoas em barracas! e num raio de um quilómetro, dentro da bela Lisboa, moravam milhares em barracas!! Estou em crer que o limiar da pobreza é um conceito chocantemente fluido, isto mesmo sem saír de Portugal. E acho, muito sinceramente, que muita da pobreza actual resulta apenas da ganância e do desvario consumista em que nos deixámos todos afogar!
Basta ver a quantidade de carros "quitados" que se passeiam pelos arredores (cada vez mais imensos...) de Lisboa, sobretudo à noite... Pobreza? Sim, nas zonas industriais deprimidas do Norte, admito que sim (estou muito longe para poder contactá-la). Mas no Centro e Sul, incluindo Lisboa e o Algarve, na maior parte dos casos queixar-se da pobreza é insultar quem é mesmo pobre...
Vou falar do mundo rural - em termos de pobreza, é o que conheço menos mal. Na minha aldeia, meio dia de trabalho feminino custa 10 euros. Isto é um salário de fome. Se essa mulher fizer os descontos, fica um salário de miséria.
Também conheço um pouco o caso da indústria têxtil. Nomeadamente uma costureira que trabalha há mais de vinte anos, é excelente, e continua a receber salário mínimo. Além de a dona da fábrica passar a vida a dizer que vai ter de fechar, e obrigar toda a gente a fazer horas extraordinárias, contra a crise.
E depois, há o modo como esta gente é tratada pelo SNS, que também ajuda como pode para reduzir o seu número...
Quem sabe muito disso é o Bruto da Costa. Em 2008 publicou os resultados de um novo estudo sobre a pobreza em Portugal.
http://www.publico.pt/Sociedade/pobreza-em-portugal-e-preciso-subir-os-salarios-e-diversificar-fontes-de-rendimento_1329698
A Pordata não diz tudo - aliás, não diz o principal. Não explica, como o Bruto da Costa, que a questão não é comparar com os nossos avós, ou com os mais paupérrimos africanos, mas com os outros miúdos da escola, com o que é normal na rua. Aí entra o que dizes: num país obcecado pelo consumo, quem tem menos sente-se pobre mesmo que não esteja a morrer de fome.
Os pobres que eu conheço vão ser realmente afectados pelo aumento do IVA. Vão comer ainda mais sopa de feijão, vão cortar ainda mais na carne. Vão ter ainda mais dificuldades para ter os filhos na escola. E estes vão-se sentir ainda mais infelizes, por comparação com o que os outros miúdos têm.
Finalmente: a pobreza não é apenas uma questão pessoal, de gente que é "preguiçosa" ou "teve azar na vida". É uma questão fundamental do nível civilizacional de um país, sinal das opções de desenvolvimento económico e social que este fez.
No caso concreto: porque é que as novas medidas de austeridade incidem sobre o consumo de bens alimentares? Porque é que não optam por reduzir mais drasticamente os salários e as reformas dos que mais ganham, ou aumentar muito mais o IVA dos bens de luxo?
Desconfio que, como tu dizes, os verdadeiros pobres estão demasiado longe da capital. Longe da vista, longe do coração.
Tens razão em muitos aspectos. As classes dirigentes e poderosas (incluindo os governantes, mas igualmente os oposicionistas, os analistas, os especialistas, etc.) só contactam com a "pobreza" através das estatísticas e elas não dizem tudo. E às vezes o que está para além do óbvio também é muito importante (obrigado pelo "link", hei-de ir consultar o Bruto da Costa, porque na "Pordata" de facto não dei com nada que me esclarecesse sobre este assunto).
Para abreviar, que o tempo é um bem muito escasso, eu não digo que não haja pobreza em Portugal, quer em absoluto (pessoas com muito poucos recursos, mesmo que sem culpa própria disso), quer em termos relativos (os tais que se "sentem" pobres, por motivos vários, alguns válidos, outros nem tanto). O que me parece inquestionável é que há muito menos verdadeiros pobres do que aquilo que muitas vezes se quer fazer crer, quer pela Esquerda (que representa os ex-pobres do Passado e que hoje, em muitos casos, vivem como nunca sonharam viver!), quer pela Direita (que considera "pobres" as Famíliazinhas cujos passam fome, literalmente, para manterem o seu BMW, o seu belo apartamento e as suas ricas viagens anuais à República Dominicana)! Disso vê-se muito em Lisboa e arredores.
Ou seja, há muita pobreza falsa que, não devendo servir para esconder a verdadeira pobreza, deveria ser mais claramente denunciada, em termos políticos, para se começar a perceber melhor a raiz de toda a situação económica em que estamos mergulhados, e continuaremos a estar durante alguns anos. Criando uma situação potencialmente explosiva, a prazo, quando a geração dos nossos Filhos se der conta de que a sua desgraça foi provocada pelos desvarios da geração dos seus Pais! Isso pode ser trágico para a coesão social. E não só em Portugal, como começa a vir à tona na Grécia e poderá alastrar, muito naturalmente, aos Países ibéricos e à própria Itália...
Quanto à tua última questão penso que saberás melhor do que eu quão irrisório é o volume de impostos que se pode ir buscar aos artigos de luxo, pois quem os adquire pode sempre fazê-lo através da importação ou, até, da economia paralela. Se é mesmo para ter receitas seguras já até ao fim do ano, tens mesmo que ir buscá-las a quem não foge ao fisco. E olha que, para os parâmetros actuais do perfil de consumo típicamente português, comer menos carne e menos feijão poderá ser não só muito profiláctico para a saúde, como até pedagógico para a formação dos adultos conscientes de amanhã.
Olha o que seria de mim, por exemplo, se não comêssemos tanta sopinha e saladinhas em vez de bifanas e entrecosto! E olha que, com uma cozinheira como a Ju, ninguém lá em casa se queixa desse tipo de comidinha...
Ouvi dizer que na Grécia agora estão a vender os iates ao desbarato. É que o Governo anda atrás dos sinais exteriores de riqueza. Muito simples: verificar quantos impostos pagam os proprietários dos iates (e outros bens de luxo) e averiguar se a letra bate certo com a careta...
Queres um iate baratinho? É agora, em Atenas.
Quanto ao que os pobres comem: os que eu conheço estão numa situação de não poder escolher entre carne ou feijão. É muito mais feijão que carne. Podemos discutir se feijão é mais saudável e ecologicamente correcto, e tal, mas estamos a falar literalmente de barriga cheia sobre as escolhas alimentares de pessoas que não têm escolhas.
A coesão social também passa por termos mais sensibilidade quando falamos dos "lá de baixo". Tanto mais que não é normal (e não é culpa individual) uma pessoa trabalhar a tempo inteiro e não ganhar o suficiente para viver com dignidade. Dignidade medida em termos do que é normal no país dessa pessoa.
Como é que um salário mínimo actual permite pagar alimentação, habitação, saúde, educação e vestuário mesmo que seja apenas para uma pessoas sozinha, sem responsabilidades familiares?
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