01 abril 2010

PÁSCOA, UMA ESPERANÇA ESTIMULANTE

Há dias, o Manuel A. Ribeiro, um dos autores deste blogue (embora às vezes se esqueça...) escreveu um belo texto para esta Páscoa, que copiei agora para o topo da página, para acompanhar quem quiser durante estes dias.

Eu vou sair por uns tempos (ai que stress...), o que significa que os comentários vão ficar de novo de molho até eu voltar, ou me lembrar de chegar perto de um computador (hipótese pouco provável).

Boa Páscoa para todos!

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Tal como a Primavera nos confirma a revitalização cíclica da natureza, a celebração anual da Páscoa reafirma a confiança na emergência da vida mais forte do que a morte.

Os recentes desastres naturais e a persistência de uma terrível crise económica, deixando milhares de famílias destroçadas pela praga do desemprego e da pobreza, lembram-nos, de forma dramática, que a paixão de Cristo assume um negro realismo nas imagens da morte e do sofrimento, regularmente actualizadas. Celebramos a Páscoa numa altura em que nos confrontamos com acontecimentos de tristeza e de desolação, sejam os que decorrem dos gritos de dor, no Haiti como na Madeira, no Chile como no Afeganistão e Turquia, sejam aqueles que corporizam os vergonhosos casos de pedofilia em instituições católicas ou que mostram o desespero dos que foram mais vitimados pela crise financeira.

Nuns casos, a destruição saiu à rua pela força dos elementos da natureza, lembrando ao homem a sua condição frágil, magnificamente retratada por Camões nestes versos de Os Lusíadas: Onde pode acolher-se um fraco humano / Onde terá segura a curta vida, / Que não se arme e se indigne o céu sereno / Contra um bicho da terra tão pequeno? Noutros casos, as forças da morte foram provocadas pela crise do sistema neo-liberal, assente numa lógica que está a sobrepor-se à própria razão do homem. O aumento das assimetrias sociais, tornando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, é a denúncia clara de um «progresso» que não põe a pessoa humana no centro. O messianismo secularizado, depois de ter visto as consequências desastrosas do mito da crença no progresso indefinidamente crescente, pretende agora afirmar-se através do mito do imperativo absoluto da revolução técnico-científica, ao serviço de um Estado omnipresente e das elites que o compõem e o perenizam. Este modelo de progresso, cujos benefícios de revelaram efémeros e enganadores, está agora a ser travestido na exaltação de uma tecnologia que robotiza e serializa, mostrando como a frieza da técnica está a impedir a eclosão de um mundo mais humanizado.

Felizmente que, ao lado das funestas notícias diariamente propaladas pela comunicação social, também há muitas alegrias celestes nesta terra, ainda que não detectáveis pela voracidade dos media. Um olhar atento poderá testemunhar realidades bem luminosas a acontecer diariamente. A corrente de solidariedade na sequência dos desastres ocorridos no Haiti e na Madeira revelam bem que no coração humano não está atrofiada a bondade. Muitas mais provas disso se verificam no anonimato quotidiano. O estilo de vida simples, o espírito de partilha, a capacidade de renunciar ao ter em nome da felicidade do outro e uma relação inteligentemente respeitosa com a natureza são exemplos de gestos que fazem diminuir o sofrimento e que incrementam relações humanas mais harmoniosas. Manda, por isso, o realismo que não podemos minimizar a gravidade do momento presente, acreditando ingenuamente que um mundo novo possa nascer da desordem actual. Mas também não devemos abandonar a esperança numa sociedade melhor, com a desculpa de que todas as utopias falharam. As previsões catastróficas em relação ao futuro, em vez de suscitarem alertas preventivos, vão-nos preparando psicologicamente para aceitar a inevitabilidade da desgraça. Pelo contrário, a capacidade de encarar o porvir com esperança pode transformar a presente crise numa bênção mobilizadora de energias. Todavia, as dificuldades tornam-se intransponíveis se deixarmos morrer a confiança, já que, como intuiu Picasso, a nossa maior perda não é a morte, mas aquilo que morre em nós enquanto vivemos.

Os cristãos acreditam que continua a avançar na história o sonho de Deus sobre a humanidade e sobre o cosmos. Esse sonho pareceu brutalmente interrompido na cruz, mas foi aí que se manifestou verdadeiramente a força da vida para lá da morte. Não há nada de contraditório, quando os cristãos, em nome desta esperança estimulante, se comprometem na transformação concreta da sociedade, sem caírem no logro das consolações fáceis.

Manuel A. Ribeiro

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