Em 2003 o Joachim trabalhou uns meses em Roma, e os miúdos e eu fomos passar uma temporada com ele. A Christina tinha oito anos, e olhava as romanas de alto a baixo, impressionada com o estilo. O Matthias tinha seis, e passeava entre as ruínas do fórum romano com o seu livrinho de montagens "antes e depois", tentando recuperar das pedras o esplendor do passado.
Brincámos às escondidas em Ostia e nas Termas de Caracala.
Rimo-nos com o elefante de Bernini a irritar os dominicanos, e com o prêt-a-porter na Via de Cestari, onde se vende lingerie para freiras, lado a lado com paramentos para padres.
Conseguimos encontrar San Luigi dei Francesi aberta, e entrámos para visitar o Caravaggio.
Nas escadas da igreja Sant'Ignazio, mais uma vez perante portas fechadas, a Christina suspirou "esta cidade tem demasiadas igrejas...", mas logo se animou quando reparou que as fachadas das casas em frente pareciam cómodas barrocas. E quando finalmente conseguimos entrar, rimos a bom rir com o efeito inverso do trompe l'oeil: em vez de ficarmos no ponto onde o efeito das pinturas na abóbada é perfeito, fomos para o outro lado do altar, e observámos divertidos aquela cúpula que parecia horrivelmente inclinada para a frente. E depois comemos gelados no Giolitti.
Fomos à procura de mais trompe l'oeil na Igreja Il Gesú, e assustámo-nos com a escultura "o triunfo da Fé sobre a heresia".
Nos museus do Vaticano, assustámo-nos também com o castigo de Laocoonte que, para mais, tinha razão! Passeámos pela galeria dos mapas em busca das nossas próprias viagens; procurámos a saia da última índia de uma tribo que vivia numa ilha ao largo da Califórnia, e que a Christina conhecia de um livro que lera; rimos de novo na Capela Sistina por causa do pudor que forçou Miguel Ângelo a tapar certas partes, e da pequena vingança deste.
Na Basílica de San Clemente os miúdos pediram para ficar no pátio, porque estavam cansados e não se interessavam pelo fenómeno de três templos sobrepostos. No regresso, no metro, ouvimo-los comentar "damos os quarters ao pai, e ficamos com as outras" - que vergonha! tinham estado a pescar moedas que os turistas atiram para o fontanário do pátio...
Deixaram-nos entrar de graça no Palazzo Spada só para eu mostrar aos miúdos o corredor com uma bela ilusão de óptica, de Borromini, e disseram-nos que podíamos esperar a hora de abertura (daí a dez minutos) na galeria do palácio. Ora, a galeria tem quatro salas e 187 quadros, pelo que mal se via a parede. Perguntei a um dos guardas (e eis como me vou desgraçar outra vez com esta confissão!) quais eram os high-lights, enquanto a Christina começava a olhar extremamente concentrada para todos os lados. Pensei, cheia de orgulho, que afinal ela não se interessava apenas por moda, e como era excepcional ver uma criança de oito anos tão interessada por arte, mas daí a nada ela disse "está ali, mãe, vês? a câmara que nos está a filmar está ali!"
Na Catedral de São Pedro rimos de novo, andando em volta do baldaquino de Bernini à procura das cenas do parto da sobrinha do Papa Urbano VIII.
No Palácio Borghese apreciámos a beleza de Dafne e Apolo, e a Christina mostrou-me as pinturas do tecto dessa sala e fez-me ver como era bonito o Cupido sobre o par. Na sala seguinte sorrimos com a barriguinha da irmã de Napoleão, e com a sua pouca-vergonha: quando lhe perguntaram se não tivera problemas em posar nua, respondeu que não, que a sala estava bem aquecida.
Mas a imagem que recordo com mais ternura é esta: os meus filhos, cansadíssimos ao fim de mais um dia de Roma cultural, sentaram-se pacatamente no vão de uma janela da Pinacoteca da Villa Borghese, a jogar às cartas sob o olhar embevecido de um dos guardas. Enquanto eu ia vendo os quadros.
Daqui a uma hora saio para Roma. Eles ficam em casa, a tomar conta da cimeira de blogues (ou vice-versa). E eu sinto uma espécie de estranheza ao pensar que vou ver Roma sem ser pelos olhos deles, e sem ter de inventar histórias de suspense e riso para os cativar.
4 comentários:
Então e agora em Roma vai ser romana, ou "vai ser fiel a si própria e a uma busca dinâmica e em processo dialético da sua identidade"? Sugiro que pelo menos o Giolitti seja integrado nesse processo dialéctico.
:)) É muito engraçado ver as cidades também pelos olhos das crianças, é, Helena. Em Barcelona, entrei meia distraída naquela sala da casa Milá que representa o interior de uma baleia e já lá estava há uns minutos quando ouvi o T. dizer: - mãe parecemos o Pinóquio dentro da barriga da baleia; só então realizei onde estava.
Mas, sem eles, tem outros encantos. Boa viagem, Helena, aproveita bem, e relatório, por favor, na volta, que Roma está na minha agenda:)).
Ai o relatório, Antuérpia!
Sei lá como sintetizar a loucura destes dias em Roma. Andei mais depressa que o pensamento...
jj.amarante,
pois claro que queria integrar o Giolitti, mas aquela multidão de turistas e romanos também teve a mesma ideia!
O problema da integração é que depois fazem todos o mesmo...
;-)
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