Como provavelmente já estão todos fartos desta conversa sobre a burqa, vou mudar de assunto.
Para variar, portanto, aqui vai uma descrição sobre a origem da, ahem, burqa, que encontrei no livro "o Livreiro de Cabul", da jornalista norueguesa Åsne Seierstad:
A burqa só foi introduzida [no Afeganistão] durante o reinado de Habibullah, de 1901 a 1919, que obrigou as duzentas mulheres do seu harém a cobrir o rosto quando saíam do palácio, para que a sua beleza não tentasse os homens que as vissem. Estes véus, que as cobriam inteiramente, eram de seda ornamentada com ricos bordados. As princesas de Habibullah tinham até burqas bordadas a ouro. A burqa era uma peça de vestuário para a classe mais alta, com o objectivo de se proteger do olhar do povo. Na década de cinquenta já se tinha espalhado por todo o país, embora fosse usada praticamente apenas pelas mulheres das classes mais altas.
O ocultamento total também tinha adversários. Em 1959, o príncipe Daoud, primeiro-ministro, provocou escândalo ao aparecer em público, no dia do feriado nacional, com a sua esposa descoberta. O príncipe conseguira convencer o seu irmão a fazer o mesmo, e pedira aos ministros que se desfizessem das burqas nas suas famílias. Logo no dia seguinte, apareceram nas ruas de Cabul mulheres com casacos compridos, pequenos chapéus e óculos de sol. Mulheres que, até esse dia, só saíam à rua escondidas sob um véu integral. Do mesmo modo que este uso foi iniciado pelas classes mais altas, também foram estas que o aboliram primeiro. Entretanto, a burqa tornara-se um símbolo de status entre os pobres, e as serviçais das mulheres ricas começaram a usar os véus de seda que estas tinham abandonado. Um uso que os pastune detentores do poder tinham imposto às suas mulheres alastrou paulatinamente às outras etnias. Contudo, o príncipe Daoud queria banir completamente as burqas do Afeganistão. Em 1961 foi publicada uma lei que proibia o seu uso às funcionárias do Estado. Recomendava-se vestuário ocidental. Foram necessários vários anos até que esta lei começasse a ser cumprida, mas nos anos setenta em Cabul já quase só se viam professoras e funcionárias de saia e blusa, e tornou-se normal ver homens de fato. No entanto, as mulheres sem véu integral corriam o risco de ser vítimas de ataques dos fundamentalistas, que disparavam para as suas pernas ou lhes atiravam ácido ao rosto. Quando começou a guerra civil, instalou-se em Cabul um governo islâmico, e cada vez mais mulheres começaram a sair protegidas pela burqa. Mais tarde, com os taliban, desapareceram das ruas todos os rostos femininos.
(tradução minha, a la Speedy Gonzalez, a partir de uma tradução alemã)
2 comentários:
Há um trabalho muito bom do Giddens que desmonta imensas coisas assim sentidas como tradicionais, tenho de descobrir e mandar-te!
A propósito do seu texto,Helena, (de que gostei bastante) e não querendo explorar este assunto até à exaustão, transcrevi e resumi alguns parágrafos do livro “Nine Parts of Desire: The Hidden World of Islamic Women”, onde a jornalista australiana, Geraldine Brooks, explica a razão por que na década de 90 teve tanta dificuldade em ficar num hotel, sozinha, na Arábia Saudita. Diz ela que foi devido a um habitante de Meca, de nome Maomé, que tinha tido problemas com as suas esposas há mais de mil e trezenos anos. : )
Maomé casou com Khadija, uma mulher de negócios, independente, mais velha 10 anos. Quando Maomé ouviu a voz do anjo Gabriel pela primeira vez pensou que estava a ficar louco. Foi a sua esposa que o convenceu que ele estava são de espírito e foi a primeira pessoa a converter-se à nova religião – Islão – que significa “a submissão”. Khadija foi a única esposa de Maomé durante 24 anos e faleceu nove anos depois da primeira visão. Foi só a partir de então que Maomé começou a ouvir as revelações de Deus sobre o estatuto das mulheres. Khadija foi, pois, a primeira mulher muçulmana que nunca foi obrigada a usar o véu, a viver em reclusão e que nunca ouviu a palavra de Deus proclamar que os homens são responsáveis pelas mulheres... porque gastam dos seus bens para as sustentar. Diz Geraldine que esta revelação teria soado estranha aos ouvidos de Khadija pois era ela que era rica e que, portanto, pagava as contas e o sustentava.
Seis anos após a morte de Khadija, Maomé teve outra revelação: podia ter 4 esposas. Mais tarde e devido a certas alianças que teve que fazer, teve outra revelação segundo a qual não havia limite de esposas. Acabou por ter 8 ou 9. Em breve, surgiram inveja, intrigas e escândalos. Algumas esposas de um estatuto inferior começaram a conspirar contra as favoritas do profeta. Qualquer atitude destas esposas dava azo a bisbilhotices: uma das esposas tocou, sem querer, na mão de um convidado, durante um jantar, outra porque o seu primeiro marido tinha sido o filho adotivo de Maomé e por aí além...
Após estes incidentes, Deus enviou uma mensagem ao profeta dizendo-lhe que deveria isolar as suas esposas. Algumas destas mulheres tinham sido enfermeiras nos campos de batalha, outras tinham pregado a nova fé e agora viam-se isoladas, nos seus quartos, podendo sair apenas cobertas da cabeça aos pés.
A autora continua dizendo que estas normas que inicialmente foram criadas para salvaguardar a honra/prestígio das esposas do profeta, acabou por abranger as mulheres de outros muçulmanos.
É um livro que vale a pena ler pois trata-se de um relato da sua experiência como jornalista durante os anos que viveu no médio oriente.
Foi a partir de 11 de Setembro que me dediquei mais a ler sobre o islamismo. Fiquei ligeiramente mais informada sobre a situação social, económica, religiosa desses países. O médio oriente sempre me fascinou talvez devido ao Xá da Pérsia... : )
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