24 fevereiro 2010

a desconstrução da desconstrução

Estava eu toda contentinha, quem tem Elvira tem tudo, quando me tocam à campainha dois simpáticos rapazes que vinham trocar a janela do meu escritório(*).

Vão fazer muito pó?, perguntei eu, com uma réstea de esperança.
Enfim, algum já vamos fazer..., respondeu um dos rapazes - o único que arranhava um bocado de alemão(**).
Cobri os computadores e as restantes máquinas com uma folha enorme de plástico, e preparei-me para um dia sem ligação à net.
Nada como as pequenas contrariedades da vida para uma pessoa descobrir novas oportunidades, que é como quem diz onde se fecha uma porta abre-se uma janela, e há que estar sempre atento e aproveitar com sabedoria o que a vida nos oferece.
No caso: passei duas horas a arrumar a despensa, que é uma daquelas tarefas importantes mas nunca urgentes.

À hora do almoço tive um sobressalto: o que vou fazer para o jantar?
E a Elvira tão inacessível.
A vida, ainda agora o disse e já me estou a repetir, oferece sempre novas soluções criativas para ultrapassar dificuldades. Logo descobri uma embalagem de couscous que já passou o prazo de validade, e decidi ali mesmo fazer tabbouleh para o jantar.
Não tinha computador, mas tinha livros. Por acaso no entretanto cobertos por uma camada uniforme de pó.
(se eu desaparecer por uns tempos, é porque estou a limpar os livros um a um)
(mas dava-me jeito que a vida se lembrasse de uma solução mais airosa para resolver este problema)
Toca de ir buscar os livros de cozinha marroquina. Estudei atentamente três deles sem encontrar o que queria.
Meia hora mais tarde descobri que tabbouleh não é marroquino, é libanês. Nunca percebi muito de geografia.

E meia hora mais tarde os miúdos chegaram a casa e sentaram-se ao computador por baixo da folha de plástico.



(*) Quando os berlinenses pensavam que a Primavera vinha aí a passos largos, hoje houve chuva gelada e neve. Belo dia para trocar uma janela enorme!

(**) Os rapazes eram polacos. A Polónia começa a 80 km de Berlim, e o pessoal de lá é mais barato.
Eu preferia pagar um pouco mais, e ter o trabalho bem feito por alemães. Não é uma questão de xenofobia, é mesmo de formação. O sistema de educação e formação profissional da RDA era excelente, o da Alemanha Ocidental também é.
O nosso senhorio acha melhor empregar polacos. Estava com vontade de o avisar "olhe que o barato sai caro", mas algo me diz que é um bocadinho ridículo uma remediada como eu ir dar aulas de gestão a um multi-milionário como ele. Ficamos assim, portanto.

4 comentários:

Elvira disse...

"Quem tem a Elvira tem tudo"... :)) Fartei-me de rir! Obrigada pelo post tão bem escrito - e bem humorado.

Fico muito feliz por gostar do meu blog. Será sempre bem vinda na minha cozinha açoriana.

Beijinhos.

Helena Araújo disse...

Elvira,
quer este comentário dizer que não ficou zangada por eu lhe chamar o fenómeno Chefe Silva do séc. XXI?
Aaaah, fico muito aliviada.

Se a Elvira fica feliz por gostarem do seu blogue, deve ser a mulher mais feliz do mundo.
Será que tem consciência do serviço que presta a esta comunidade de "Sísifas"?

Rita Maria disse...

Estou um bocado de pé atrás com essa dos polacos, oh Helena Maria...

Helena Araújo disse...

E eu então, Rita Maria, nem queiras saber! Já me doem os joelhos de andar a raspar o chão para tirar os pingos de tinta que eles foram deixando cair.
E é para não contar do ar horrorizado da vizinha quando viu um deles quase todo do lado de fora da nossa janela, a fazer trabalho de pedreiro na fachada, sem cinto de segurança, no quarto andar.
Ou a janela do meu quarto, que tem uma parte estragada e vai apodrecendo. Apareceu aqui um pintor, nem mudou aquela parte de madeira, nem raspou, nem nada. Deu umas pinceladas por cima e disse "já está". Já está outra vez como estava, ou pior.

Eu vi como o pessoal de Weimar trabalha - refizeram-me a casa dos pés à cabeça. E vi o estado em que este apartamento, arranjado mais ou menos na mesma altura, estava. Não é pintura, é chafurdice. Não é obra de pedreiro, é chafurdice. Não é carpinteiro, é chafurdeiro.
Pode ser que em Weimar tenha tido os melhores artistas da antiga RDA, e em Berlim tenha os piores da Polónia. Pode ser que a minha amostra seja muito reduzida.
Mas tenho falado por aqui com arquitectos, e confirmam-me essa impressão. E uma funcionária do "serviço de emprego" também corrobora que a formação do pessoal técnico deste lado da fronteira é muito melhor - embora já não seja o que era no tempo da RDA.
E até acrescentou que as empresas alemãs que se instalam no Leste acabam por regressar à Alemanha, descontentes com a qualidade do trabalho. Mas sobre isso já não tenho tanta certeza.