29 dezembro 2009

Natais para todos os gostos

Na Missa do Galo, numa aldeia perdida nos confins do Leste da Alemanha, o padre falava de fundamentalismos e ideologias, e do modo como deixam rastos subtis infiltrados na vida das pessoas. Deu um exemplo: vinte anos depois da queda do muro, no Natal de 2009, um coro infantil entoava canções de Natal ainda na versão criada pelo regime comunista. Em vez de "todos os anos regressa o menino Jesus", diziam "todos os anos regressa o Pai Natal".
Imaginei logo alterações para as canções de Natal portuguesas, por exemplo "olhei para o céu, estava estrelado, vi um trenózinho, por renas puxado", e estaquei na parte do "filho de uma rosa, de um cravo nascido". Como é que isto se há-de mudar para renas e trenós é que não sei, mas também, vá: ainda só agora comecei a inventar.

Contudo, não nos queixemos demasiado destes vestígios da ideologia da RDA, porque também na França, segundo ouvi dizer, não se podem ensinar canções de Natal nas escolas públicas: o Estado laico obriga tudo o que é referência à religião a ficar à porta dos estabelecimentos de ensino.
O problema é quando a religião vai de mão muito dada com a cultura - privar os alunos franceses de uma parte da cultura da sua sociedade, em nome do laicismo, é assim uma espécie de como direi.

Há tempos encontrei num catálogo um presépio que é um autêntico non-plus-ultra do kitsch de Natal. Fiquei tão fascinada que até marquei a página, o que provocou um susto monumental ao Joachim, que pensou que eu ia comprar aquilo. Felizmente tudo acabou em bem: eu expliquei que era só para contar no blogue, e ele riu-se, muito aliviado.
Eis a obra prima:

Repararam bem na "parede" do presépio, onde está escrito Hope?
Perfeito, perfeito. Lindo.
(A quem interessar possa: custa 24,90 €)

E eu acho bem. Acho muito bem que os não-cristãos inventem os seus próprios ritos, símbolos e sentidos. Até se podem apropriar de um certo património cultural já existente - afinal de contas, a Igreja Católica também fez o mesmo, a seu tempo.

O melhor é parar o post por aqui.
Mais uma linha, e temos de começar nova discussão: será que este Natal é igual ao outro Natal? Ou será que o Natal é só para "ter filhos", no caso: o mistério de um Deus que envia o seu filho ao nosso mundo? Devemos dar nomes diferentes à mesma festa? Festa de Natal para os cristãos, e Festa do Pai-Natal para os outros?

Este mundo está a ficar muito complicado...

***

Para os cristãos, deixo aqui mais uma história contada nessa Missa - diz-se que é de Martinho Lutero:

Havia um homem que queria muito ir para o céu, e por isso se desdobrava em boas palavras e acções. Todos os dias, mercê de tão empenhado esforço, subia um pouco mais. Até que, ao fim de muitos anos, subiu o degrau que deixou a sua cabeça à altura do limiar do paraíso. Cheio de curiosidade, pôs-se em bicos de pés e espreitou para dentro. Estava tudo escuro! Passado algum tempo, avistou ao longe uma alma a quem pôde perguntar o que se passava.
"Aqui não está ninguém", foi a resposta. "Foram todos para a terra, para Belém, e levaram a Luz."

De modo que ficamos assim: invente o Comércio todas as renas de presépio e todos os bonecos vestidos de vermelho que quiser, compre e saboreie quem gostar - nada disso corrompe o mistério desta Luz.

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