14 julho 2009

a primeira vez

"Queres vir comigo ao café?", perguntou o meu pai.
Olhei-o, surpreendida, vesti rapidamente um casaco e fui com ele.
Atravessámos o pinhal escuro e continuámos pela praia.
Ancorei a minha mão pequenina na mão enorme do meu pai, contente por caminhar ao lado dele em silêncio, sentindo a força da sua presença que me protegia de todos os medos e do vento e do frio na praia deserta.
Parámos por uns momentos no largo em frente ao rio Lima, saboreando: as luzes de Viana reflectidas nas águas calmas do rio, a mancha negra do monte de Santa Luzia, as estrelas no céu de veludo, as ondas batendo devagarinho no paredão, os cheiros de resina e maresia.

O café "Raio Verde" estava cheio de homens, suspensos de algo que se passava na televisão, lá em cima junto ao tecto da sala. Um deles sorriu, pegou em mim e sentou-me num dos bancos altos junto ao balcão.
"Que queres beber?"
Olhei para as mesas em volta: cerveja ou café.
"Um carioca de limão!", gritei alvoroçada. Era a primeira vez que entrava num café à noite e podia pedir algo parecido com as bebidas dos adultos.
O meu pai pediu um café para ele e um carioca de limão para mim, e esticou-se também para a televisão, conversando com os outros.
Olhei também, desinteressada: pessoas com escafandros davam saltos muito lentos num sítio sem graça nenhuma.

E voltei a concentrar-me na minha chávena e nas casquinhas de limão, comemorando sozinha e solene a minha entrada no mundo de liturgias dos adultos, no dia 20 de Julho de 1969.

2 comentários:

Carla R. disse...

:)
Opá, ajuda-me a encontrar mais deste tipo de texto neste teu blogue. Uma porta secreta, um tag, ou qualquer coisa do género.

Helena Araújo disse...

E eu é que sei?!
Até já me tinha esquecido de ter escrito este.

Ficamos com mais um projecto para a terceira idade: percorrer os posts dos blogues, e pôr-lhes tags como deve ser. ;-)