No sábado, a minha filha foi ajudar numa quermesse de beneficência num bairro chique do Far West de Berlim.
Contou-me depois que todos os participantes tinham crachats onde se lia "Freiherr von...", "Gräfin von und zu...", "Prinzessin...", "Baron von...", etc.
Uma pessoa não está a contar com isto na vida real mas, pelos vistos, eles existem, e eu até já fui convidada para um pequeno-almoço da casta. Uma vez só, diga-se de passagem - desconfio que alguma coisa terá corrido mal.
Fosse-me dada uma segunda oportunidade, e juro que não arregalaria tanto os olhos, não poria mais as orelhas em riste de parabólica perante aquele mundo tão completamente outro que transparecia pelas frases e pelos modos.
No domingo levei o meu filho ao Far East de Berlim, para um torneio de xadrez em Marzahn.
Marzahn é um bairro com uma fama terrível. A maior concentração de neonazis por cm², ao que se diz. No ano passado levei lá umas amigas portuguesas, que já estavam fartas de só ver coisas boas. Não ficaram muito impressionadas: aquilo que, aos olhos dos burgueses alemães, é uma no go area, seria o sonho da classe média portuguesa. Sim, se exceptuarmos o pormenor dos neonazis e assim, a qualidade urbanística é bem superior à de... calateboca, não nomeies bairro nenhum português, não vá algum empreiteiro ou presidente da Câmara sentir-se ofendido.
Por ser Marzahn, optei por levá-lo lá de carro (50 minutos a atravessar Berlim numa madrugada de domingo - não consigo deixar de me surpreender com o tamanho desta cidade) em vez de o deixar ir de transportes públicos como habitualmente. E foi assim que pela primeira vez vi uma das salas de torneios onde ele passa tantos domingos enfiado. Às nove da manhã já só havia duas ou três moléculas de ar. O ambiente parecia-me deprimente: uma fila de mesas em cima da qual estavam os tabuleiros de xadrez e os relógios, cadeiras frente a frente. A maior parte dos participantes já tinha chegado: à excepção dos três rapazinhos da escola do meu filho, só se viam homens.
Fiquei com vontade de lhe perguntar: "isto é que te faz feliz?!"
Tenho de perder esse hábito.
Há vinte anos, recém-chegada à Alemanha, fiz a mesma pergunta a uma amiga que optara por ficar em casa a construir para a família um lar alegre, acolhedor e calmo, em vez de trabalhar ou tentar conciliar trabalho e família.
Verdade seja dita, ela não entendeu a pergunta.
E eu também não entendi quando, alguns anos mais tarde, me perguntaram porque é que eu insistia em ter filhos se o trabalho para mim era tão importante.
Esta sociedade está cheia de realidades paralelas.
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