"Um rapaz da minha turma contou que estão a vender testículos de canguru no stand da Austrália", disse o Matthias.
Ao que eu retorqui: "acredito e não me admiro, que no Alentejo também se comem coisas do género".
E lá fomos nós para a Grüne Woche. Para provar a tal especialidade australiana, e porque em Berlim inteira se fala dessa feira de produtos alimentares e de jardinagem.
Começámos por nos perder na parte dos jardins, onde deambulámos só pelo gosto de sonhar o que podia ser: podia ser uma casinha com sauna no pátio das traseiras da nossa casa de Weimar, um pequeno tanque de jacuzzi, ou talvez um pavilhão redondo, todo em vidro, formado por dois módulos semicirculares que rodam um sobre o outro, mudando a posição das paredes e abrindo ou fechando conforme o tempo, o vento, o sol.
Também as camas de água, ah, claro que experimentámos as camas de água! (abstraindo do peso e da quantidade de água que tem de ser aquecida, uma pessoa até sonha que aquela cama daria o melhor de todos os sonos).
E as estufas com tabuleiros de terra sobre suportes de altura regulável, porque não há razão nenhuma para trabalhar vergado quando se pode fazer horticultura e jardinagem sentado e de costas direitas, e - entretanto, já não é segredo para ninguém - a população está a envelhecer e a terceira idade quer conforto e paga-o bem.
No pavilhão "alimentação saudável" deram-nos a beber leite de égua (aguado e doce - dizem que é o mais próximo do leite humano), para comparar com o de cabra e o de vaca.
Ficámos a saber que a Polónia começou a vender pacotes de cenouras pequenas descascadas, óptimas para os miúdos levarem para o pequeno-almoço na escola, e a um preço bem mais acessível que as importadas dos EUA.
E também nos informaram que, para o nosso corpo "queimar" um prato de batatas fritas, temos de passar meia hora a rachar lenha. Haverá em algum país lenha em quantidade suficiente para queimar todas as batatas fritas que comemos?!
Depois mostraram-nos colheres de plástico feitas com material biodegradável - celulose. Estavam tão orgulhosos do progresso que optei por não lhes perguntar se faziam alguma ideia de como eram produzidas as árvores que dão origem a esse material biodegradável.
Demos a volta ao mundo: banana frita do Gana, matjes e poffertjes holandeses, maultaschen da Suábia, batido de manga e iogurte turco, compotas de frutos noruegueses que nem sabíamos que existiam, combinações de ervas para misturar com crème fraîche e servir com peixe (especialidade sueca), bagos de groselhas envoltos em chocolate (bombons da Estónia), e até maçãs do futuro.
No stand do Gana havia festa: uma das clientes começou a dançar ao som da música que vinha dos lados da Geórgia, lá perto, e os vendedores da banana frita entraram na brincadeira e dançavam também, enquanto iam servindo a comida.
Os russos surpreenderam-nos pela elegância da estética culinária: belíssimos pães com paisagens ou motivos decorativos esculpidos na massa, enchidos apresentados como petits-fours, e até uma galinha fumada, vestida e sentada em pose no meio de salsichas várias.
No stand do maior produtor de avestruzes alemão, onde nem queria provar, acabei a comprar "pâté de foie" e carne fumada - deliciosas!
Os produtores de queijos austríacos estão cada vez mais inventivos: depois do queijo com cenoura (laranja) e com pesto (verde), chegou a vez do queijo com piri-piri. Já não bastava piri-piri e pimenta no chocolate, agora até ao queijo chegou? A ver quantos anos dura esta moda.
O nosso stand preferido foi o da península Yamal (o que significa, na língua nativa, "fim do mundo" - e fica para os lados da Sibéria). O que primeiro nos atraiu foi uma exposição de tendas e artefactos da população nómada, os Nenet (podem ver mais fotografias aqui).
Depois, começámos a provar as especialidades que tinham trazido: carne fumada de rena, caviar de cavala, vários peixes fumados, e fígado de Quappe ("Lota lota" é o nome científico, como fiquei depois a saber, e também que é um peixe em vias de extinção na Alemanha e "ressuscitado" por cientistas na Inglaterra - será que em Yamal existe em abundância, ou o que falta são leis que protejam estas espécies?...)
As vendedoras russas eram mais eficientes que vendedores de seguros americanos. Incrível! - tenho de rever todos os meus preconceitos.
Tentaram impingir-me todo o stand - o caviar de cavala, o fígado da lota lota, o gulasch de carne de rena "é muito fácil, abre a lata, junta um pouco de água e aquece, serve aos seus filhos, vai ver que eles comem e choram por mais!" - e quando eu disse que deixava algumas coisas para comprar no próximo ano vieram-me logo com a ameaça da crise financeira, "sabemos lá nós se no próximo ano estaremos aqui..."
No pavilhão dos animais havia um picadeiro onde pudemos ver um belo grupo de volteio, um número de dressage, e um húngaro a cavalgar de pé simultaneamente dois cavalos. Tudo muito bem feito, e óptimo para descansar um bocadinho.
Mas o melhor momento do dia foi quando soltaram na arena uma porca com os seus leitões. O que aqueles bichinhos corriam e brincavam! Cheios de energia, muito alegres, pareceram-me ainda mais divertidos que cachorros. Olhando para eles no meio de centenas de pessoas que se riam das suas cabriolas, dei-me conta que nunca vi leitões em liberdade. Até agora, só os conhecia de currais minúsculos e geralmente escuros, bichos semi-depressivos agarrados às tetas da mãe. Em que é que estamos a transformar o nosso mundo?
Finalmente encontrámos o stand australiano. Deram-nos a provar salami de carne de canguru, mas não era isso o que o Matthias queria. Cheio de esperança, perguntou à vendedora: "Tem testículos de canguru?"
"O quê?!", perguntou ela, convencida que tinha entendido mal.
"Um amigo meu disse-me que aqui têm testículos de canguru..."
"Que disparate!", foi o comentário, num tom muito ofendido, e foi aí que me dei conta de toda a carga embaraçosa da cena.
A culpa é minha, claro, que não lhes devia ter dito que podia muito bem ser, porque em Portugal talicoisa.
O problema dos meus filhos é que a mãe deles vem de um país onde tudo é possível (em todas as acepções da expressão), de modo que eles ficam com menos propensão a desconfiar.
Sem comentários:
Enviar um comentário