23 novembro 2008

às oito da manhã de sábado...

Ontem, às oito da manhã, estavam vinte pessoas num ginásio de Berlim a encher caixas

{ com café (1/2 kg), chocolates vários, bolachas, mel, bolo de frutos secos (1 kg), chá, garrafa pequena de espumante, rebuçados, um prato de cerâmica pintado à mão, uma vela decorativa }

e a fechá-las com um laçarote dourado, e a colar em cima uma estrela de cartão canelado em cores brilhantes que uma das organizadoras tinha cortado à mão.

Foram 350 caixas, pagas pela autarquia local, e que, ao longo do mês de Dezembro, assistentes sociais irão oferecer, juntamente com uma hora de companhia e conversa, a casa dos idosos que recebem auxílio dos serviços da Segurança Social.

Quando entrei no ginásio, ainda ensonada, e vi a quantidade de caixas para armar e encher, e as paletes de caixotes cheios de produtos para distribuir, pensei com alívio que o meu turno era apenas até às 10 horas. Aguentar, trabalhar duas horas, voltar para a minha cama quente, e quem vier atrás que feche a porta.
Mas depois, quando comecei a fazer os laços, dei-me conta que cada caixa era única e especialíssima para a pessoa que a vai receber. Pensando nas mãos enrugadas e gastas que a vão tocar, colava cada uma das estrelas (quantas noites terão sido necessárias para cortar tantas e tão bem?) com cuidado e intenções de design - dando-se o caso de ser a única estrela que aquela pessoa receberá no Natal, tem de ir muito bonita sobre a caixa, para iluminar o melhor possível os dias de Inverno.

Olhei à minha volta e vi o milagre: haver no meu bairro vinte pessoas dispostas a levantar-se bem cedo numa manhã gelada de sábado para oferecer um pouco de felicidade a gente sem sorte.

***

Organização alemã é coisa fina. Às 10:20 estava tudo terminado, os caixotes vazios desfeitos e metidos no meu carro para os levar ao contentor, o pessoal todo a tomar um pequeno-almoço que a fazedora de estrelas tinha preparado. E a conversar, "lembram-se daquela vez que só saímos daqui às quatro da tarde?" e "caixas é muito melhor, no ano em que tivemos sacos de pano foi terrível!", "ah, pois foi, nem me quero lembrar!", e logo outra "ah, e daquela vez que tivemos cestos e as coisas caíam todas?!"

Comentei com uma das organizadoras que me alegrara muito ao ver a qualidade dos produtos escolhidos: quase todos do "comércio justo", e alguns até biológicos. Coisas caras e boas, para que as pessoas se sintam por um momento a partilhar a mesa dos ricos.
Ela, contudo, tem as suas dúvidas: o que é melhor para quem tem tão pouco? receber produtos em maior quantidade, mas comprados no Lidl, ou dar algo de boa qualidade e preço tão eticamente correcto?
Por outro lado, deve um organismo do Estado alemão comprar produtos a um preço eticamente incorrecto?

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Conversa puxa conversa, fiquei a saber que nas autarquias há uma pessoa encarregada de divulgar as necessidades de trabalho honorário. Quem tem tempo para oferecer dirige-se a essa pessoa, diz o tipo de trabalho que gosta mais de fazer, a área onde quer trabalhar, e ...zimbas! no momento seguinte está a preparar presentes de Natal, ou a ler o jornal em voz alta na sala de um lar de terceira idade, ou a atravessar a cidade com olhos atentos para recolher os sem-abrigo antes que o Inverno os leve desta para melhor. Trabalho não falta e - já hoje usei a palavra milagre? - trabalhadores também não.

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