13 outubro 2008

das línguas para as culturas

Hoje apetece-me contar histórias:

1. Em Taizé, na parte das famílias, formam os grupos de discussão por países. Eu aproveito a minha condição de estrangeirada no mundo inteiro para me permitir a liberdade de escolher o meu grupo.
É muito interessante comparar as diferenças:

- Os espanhóis/italianos têm um espírito de missão exacerbado, fazem as discussões já de mangas arregaçadas, "e então, por onde é que começamos a empurrar?"

- Os alemães/austríacos são bastante caseiros: acham que se varrerem muito bem à frente da sua porta, o mundo fica melhor. Mas "à frente da sua porta" significa: da porta para dentro de casa...
Às vezes são irritantes, mas o princípio tem algo de muito válido: não é preciso mudar os outros, basta mudar-me a mim mesmo e o mundo já fica um bocadinho melhor.

- Os franceses têm uma maneira linda-linda-linda de falar das questões. É um prazer ouvir as palavras que escolhem para se exprimir, o modo como verbalizam uma busca de sentido. Uma riqueza.

Um dia destes vou experimentar os anglo-saxónicos, depois conto.


2. Um francês, que sabia falar português aprendido no Brasil, casou com uma portuguesa. Se discutiam em francês, zangavam-se imenso. Se discutiam em português, o problema resolvia-se facilmente. Aperceberam-se que a mulher se sentia muito mais agredida em francês que em brasileiro. Ou seja: a mesma pessoa, a exprimir uma mesma opinião, provocava reacções diferentes conforme falasse a língua da cultura francesa ou a da brasileira.
Deram-se conta que em francês ele era muito mais directo, e em brasileiro mais delicado - porque aprendera não apenas as palavras, mas uma maneira mais suave, muito brasileira, de se exprimir e dialogar.


3. Há muito que ganhei o gosto de comparar traduções para línguas diferentes. Na área do software, onde trabalhei muitos anos, dei-me conta que as traduções dos franceses eram sempre mais elegantes. Onde os outros aceitavam o anglicismo, os franceses (também por causa daquela lei de protecção da língua) viam-se obrigados a ir ao fundo da palavra e a inventar uma nova, francesa, para a significar. Algumas invenções poderão ser um bocado ridículas, mas este profundo amor pela língua não o é.
Vive l'élégance à la française.

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Moral das histórias: faz-me pena ver que em Portugal se está a virar as costas ao francês, para optar pelo espanhol. Bem sei que se abre uma nova porta, mas será que há consciência do valor intelectual da porta que se fecha?

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