Com agradecimentos ao Marco Oliveira pelo seu post onde encontrei este belo texto de José Tolentino Mendonça.
Sempre que salto, salto para o infinito
Deste Verão português surdamente incompatível, com conflitualidades, embaraços e pessimismo, resgato uma frase que seria pena ficar perdida entre a cinza. Foi proferida pelo atleta Nelson Évora, e representa, creio, não apenas a descrição de uma técnica ou de um método, mas é uma espécie de razão onde a vida, a inteira vida, se pode decidir. "Sempre que salto, salto para o infinito", disse ele. No triplo salto dos Jogos Olímpicos de Pequim esse infinito correspondeu a 17,67 metros, e valeu-lhe a medalha de ouro. Mas o infinito é esse aberto que não acaba...
Nos programas biográficos que, em seguida, as televisões dedicaram ao atleta, comovi-me a olhar para as instalações desportivas mais do que precárias num centro escolar, para o ziguezague árido e incaracterístico das estradas suburbanas, para o exíguo futuro que se avista das florestas de apartamentos colados a apartamentos. Aquele cenário poderia servir para contar uma história completamente diferente. Por isso a frase de Nelson Évora é tão importante. Aos miúdos que hoje têm a idade que o campeão olímpico então teria, e que as televisões entrevistam naqueles mesmos lugares, como é fundamental testemunhar-lhes o que significa "saltar para o infinito". Transcender-se, ir além, ir mais longe, sabendo que isso implica que cada um se tenha encontrado humildemente com os seus limites e plenamente com as suas possibilidades. Num tempo de tectos baixos e de metas imediatas, como parecem ser os nossos, "saltar para o infinito" constitui talvez uma impopular aposta. Mas a esperança, a verdadeira esperança, pede de nós risco e coragem.
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