Quando viemos para Berlim, a Christina inscreveu-se num projecto de musical que tinha quase tudo aquilo de que ela gosta: cantar, dançar, representar.
Ao longo dos meses o entusiasmo foi esmorecendo. Porque queria os sábados para fazer outras coisas, a organização estava terrível, as amigas começaram a abandonar.
Dissemos-lhe que não se deixa a meio um projecto destes, e ela foi continuando apesar da pouca vontade.
No sábado passado foi a primeira - e última - apresentação.
Ela estava aflita, com medo das luzes da ribalta e do tremolo na voz, preocupada com a impressão que o grupo, uma mistura aleatória de crianças de todas as idades e capacidades, daria. Mas foi, e nós fomos ver, preparados para lhe aparar a frustração e aplaudir como pais extremosos.
Às vezes o Matthias vem-se-me entregar em flagrante de uma admiração maior que qualquer instinto de concorrência: "a Christina canta mesmo muito bem, já reparaste?".
Sim, já tinha reparado. Quando ela se esquece de tudo e se entrega ao prazer de cantar pela casa. Quando se junta com amigas e uma guitarra. Quando, em momentos avulsos, o Matthias interrompe o que está a fazer, começa a compor um ritmo feito de palmas e castanholas, e a Christina, quase a sair para outro rumo, volta atrás e o olha com uma intensidade especial, e canta, Amy Winehouse, por exemplo, sem tirar os olhos do irmão. E eu espectadora desta espécie de cordão umbilical que os une sem passar por mim.
Sabia que ela canta muito bem, mas não estava preparada para ouvir a sua voz sem microfone a sobrepor-se ao acompanhamento do piano de cauda. A chegar segura, cheia e bem modulada a todos os cantos daquela sala enorme.
Sussurrei ao Joachim: "estamos a morrer de orgulho porque é a nossa filha, ou porque é mesmo boa?"
"Porque é mesmo boa", confirmaram outros pais, e até me deram o contacto de uma professora de canto.
Ontem fomos assistir à final do campeonato numa praça pública, a quase 4 km de casa. Um casal veio ter connosco: "ah, vocês são os pais daquela miúda que canta bem!"
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Estes filhos que vêm através de nós, atravessam a nossa vida, e inventam para o seu caminho cores que nem somos capazes de sonhar - alguma vez lhes saberemos dizer como nos sentimos privilegiados pela partilha dos dias?
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