12 março 2008

falemos, pois, da escola (6)

Já ouvi a acusação de que a escola é o último bastião do estalinismo: uma instituição que rouba aos pais o direito de educarem os seus filhos, e que formata as gerações segundo a ideologia do Estado.

Algumas ideias a propósito:

1. Na Alemanha andaram a discutir um aumento das creches e dos jardins infantis, para permitir às mulheres continuarem o seu percurso profissional, em vez de as obrigar a escolher entre profissão e maternidade. Mas também se falou em pagar um abono (150 euros por mês) às mulheres que optam por ficar em casa a criar os filhos, dado que o Estado poupa esse dinheiro quando o lugar na creche não é ocupado. O problema é que as mulheres desempregadas e mais pobres passariam a ficar com os filhos em casa para receber esse dinheiro, em vez de os deixarem na creche durante algumas horas.
Neste país não há propriamente pobreza (o Estado assegura a casa, o pão, etc. e até férias em hotéis com pensão completa, e está particularmente atento ao bem-estar material das crianças) mas há muita miséria: pessoas com depressão porque não têm emprego, pessoas sem uma rede social que dê sentido à sua vida, alcoólicos, vidas completamente desestruturadas.
Pessoas que não estão em condições de criar os seus filhos num ambiente de estabilidade e segurança. Miúdos que aparecem na escola sem pequeno-almoço e com roupa descuidada, que não têm quem os ajude a fazer os deveres, que não têm quem lhes dê refeições regulares e saudáveis, que "criam problemas".
Não seria importante que estivessem numa escola a tempo inteiro, uma escola onde receberiam a estrutura, o apoio, o calor humano e até os valores éticos que os pais não estão em condições de lhes dar?

2. "Vejo os colegas do meu filho, miúdos de sete anos que vão para a cama a desoras e passam a manhã na escola a morrer de sono; miúdos que não falam bem alemão nem têm quem os ensine; crianças cujos pais não sabem como ajudar a fazer os deveres. São miúdos inteligentes, com muitas capacidades, mas cujo contexto social os obrigará a ficar muito aquém daquilo que poderiam conseguir atingir na escola e na vida. É um crime em relação a essas crianças, e é um desperdício para o país: não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar as potencialidades destas crianças! Justamente para estes, que têm capacidades mas crescem num contexto social desfavorável, a escola tem de ser o espaço que lhes permite um desenvolvimento óptimo. Escola a tempo inteiro, não para ensinar mais mas para os alunos se desenvolverem melhor. Uma escola que substitua os pais, se estes não estão à altura das necessidades da criança."
(dizia-me um amigo, professor de adolescentes, muitos dos quais cresceram em situação de frustração crónica na escola)

3. E quando a escola tem a função de integrar, o que significa sempre mexer nas identidades culturais?
Que fazer quando os pais acham que o Evolucionismo é uma treta, e que o Criacionismo é que está certo?
Quando os pais não querem que as filhas tenham aulas de ginástica, porque é uma afronta ao pudor?
Quando os pais entendem que é um abuso a escola dar aulas de educação sexual ("e que aulas, que pouca-vergonha de princípios, estes depravados que querem sujar a mente dos meus filhinhos, que fazem a apologia da homossexualidade, etc.")?

4. Fiquei muito surpreendida quando li num jornal português a notícia de que a ministra da Educação entendia que o importante não é saber se os alunos faltam ou não, mas se aprendem. O que por aqui vejo é que a escola é fundamental para tirar os adolescentes da rua. Lá está: de novo uma escola que tem na sociedade um papel muito mais alargado que apenas a de transmitir conhecimentos.

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