05 junho 2007

ratos e homens

Susana, se tivesses caixa de comentários, eu perguntava lá, mas como não tens, cá vai a pergunta que não quer calar: e como é que matas a mosca na testa do amado adormecido?
O meu marido odeia quando começo às voltas pelo quarto a dar palmadas com revistas.

Às vezes também faço contas ao sofrimento dos bichos de que nos servimos.
Sinto-me mais em paz com a minha consciência se compro carne de bichos felizes, peixe de viveiros ecológicos.
(Só é pena o preço ser pelo menos o triplo do das proteínas infelizes)

Tenho alguma vergonha do modo imperialista como eliminamos os insectos, da chacina no parabrisas do carro, ou até da curiosidade das crianças com lupas. Pobres joaninhas.
Incomoda-me muito a morte lenta dos peixes na lota.
Pior: que dizer do veneno dos ratos? Li uma vez a descrição do funcionamento, deve ser uma morte horrível. E contudo, não me dá jeito arranjar um par de cobras rateiras para resolver o problema de modo mais natural.

Também me pesa a consciência perante as ostras engolidas vivas, ou os camarões mortos às centenas para fazer uma arrozada. E é para não falar nas sapateiras que se recusam a entrar na panela.
Caviar? Calateboca.
Mas - vá lá, vá lá... - repudio as cuisses de grenouilles. Já os escargots...

Chego a concluir que mais vale matar uma baleia: para alimentar muitas centenas de pessoas, só morre um ser vivo.


Entre o que penso e o que faço, vai aquela ponte da anedota do homem que queria compreender as mulheres.

***

E porque vem mais ou menos a propósito: nos EUA é muito difícil fazer experiências com seres humanos; na Alemanha, é muito difícil fazer experiências com animais. Dessas dificuldades vivem muitos dos acordos de cooperação científica.

Of mice and men. Um membro de uma comissão de Ética, de visita a um laboratório de investigação dos EUA, ia começar a tecer algumas considerações sobre o modo como os ratos de laboratório eram tratados, quando um dos investigadores lhe cortou secamente a palavra: "e é assim que o senhor trata os ratos que se instalam na sua cave?"

De modo que parece que não é hoje que vamos conseguir resolver satisfatoriamente esse fosso entre o que somos e o que gostaríamos de ser quando formos grandes. Quando soubermos o que é ser grande.

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