Também fiquei a pensar na "missa erótica" (comentada neste post e neste).
Para pôr as coisas em perspectiva: esta foi apenas uma das milhentas iniciativas da Conferência das Igrejas Evangélicas. Amigos meus, um pastor reformado e a sua esposa, que estiveram lá mas não leram o Spiegel, não sabiam de nada nem deram a menor importância ao caso.
Ao contrário do Lutz, não me incomoda que o pastor Beuscher queira mexer na minha alma - afinal de contas, ele é pago justamente para isso, e é para isso que eu entro numa igreja. Até pode, e deve, lembrar-me o mandamento do Amor. Mas não tem nada que se meter no vias de facto. Ninguém - nem no Burning Man! - me manda mexer no vizinho. E se eu disser que não quero? Fico mal. Criou uma dinâmica de grupo que me violenta.
E depois, fê-lo a seco - o que fica bem demonstrado no ar sisudo dos espectadores. Não será essa a cara que fazemos todos nas salas de concerto ou de espectáculos de dança, quando estamos para assistir e não para participar?
Tivesse sido uma celebração Gospel, e ao fim de 3 horas de sermões empolgantes e cânticos arrebatadores, quase diria excitantes, estava toda a gente num ponto tal que se disporia a abraçar e a ungir toda a congregação. Mas não assim, como ele propôs.
Dos relatos que li sobre o sermão, fiquei sem perceber se se estava a falar de sexo, de erotismo, ou de amor.
O pastor afirmou a igual importância da oração e do sexo, e até referiu uma cena, de uma série televisiva sobre o quotidiano de um pastor, em que este sai a correr da cama conjugal para ir fazer um funeral, acrescentando que os pastores deveriam ter relações sexuais mais frequentemente com as suas esposas para que as suas palavras se tornassem mais vivas, eficazes e penetrantes (era o lema do encontro).
Depois, afirmou que oração e amor vivem ambas do exercício, e mandou distribuir óleo para cada um ungir o vizinho do lado. Sessão prática de amor?! Algumas pessoas na assembleia enfiaram o nariz no livro de cânticos, outras pediram entusiasticamente o óleo.
Digamos que o conselheiro sentimental da Bravo não faria pior.
Adiante.
A minha surpresa perante esta iniciativa revelou a enorme diferença entre as Igrejas Evangélica e Católica, que até agora não tinha tão clara: uma mais cerebral e presa à palavra, outra apelando aos mistérios e aos sentidos.
Imagens a que me habituei sem pensar ganham um novo significado: o incenso e a música; as coreografias no altar; a beleza dos movimentos em vermelho e roxo nas celebrações do Vaticano; a proibição de mastigar a hóstia que afligiu as missas da minha infância (e há casos de psicoses graves em pessoas que o fizeram, Freud teria uma palavra a dizer sobre isto); no Natal, a fila para beijar os pés do menino Jesus e lhe afagar com ternura o bracinho; na Páscoa, os sinos e os caminhos cobertos de flores para passar a Cruz do Redentor, e mais beijos nos pés do Crucificado; o pormenor do gesto elegante e belo de envolver as mãos na estola dourada para levar em procissão o Corpo de Cristo; num altar lateral de uma capelinha no Douro um Cristo coberto de chagas, tão realistas que já quase se vêem as larvas, e as mulheres que se aproximam da cruz, acariciam e beijam as feridas do Senhor com uma devoção de apaixonada. E tanto mais.
Não direi que é o Império dos Sentidos II, mas que é muitíssimo mais que a Palavra crua e nua, lá isso...
E eis que um pastor evangélico oferece uma celebração do erotismo.
É o que vos digo, irmãos: mais mil e quinhentos anos, e chegareis lá. Chegareis cá.
Ou talvez nos encontremos a meio caminho. Talvez em breve.
Mais detalhes sobre a celebração (em alemão), aqui.
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