Um jornal dinamarquês encomendou caricaturas que representassem Maomé, para mostrar aos muçulmanos que cá do nosso lado há liberdade de expressão e nós não temos medo deles. Convém não esquecer que o episódio se insere numa deriva populista dinamarquesa, e no velho truque de arranjar um bode expiatório (no caso, os muçulmanos que lá residem) para ganhar eleições.
Seguiu-se um braço de ferro entre representantes das duas posições (de um lado os ofendidos, e do outro os ofendedores e os nós-não-temos-nada-a-ver-com-isso), que acabou com inúmeras cenas de violência desenfreada (e muito manipulada) e alguns mortos.
A expressão "depois das caricaturas" já entrou no nosso léxico como um novo marco nas relações entre o Ocidente e o Islão.
Entretanto, o Irão arranja um espelho para o Ocidente: pergunta-nos "como é essa história da liberdade de expressão?" e encomenda caricaturas sobre o Holocausto. Olho por olho, ladrão que rouba ladrão...
Já foi decidido quem são os vencedores. Os cartoons já andam na internet.
Participaram também cartoonistas ocidentais: franceses, brasileiros, etc.
Risota geral do lado iraniano: é que alguns dos cartoonistas ocidentais têm de manter o anonimato, porque temem pena de prisão.
E os jornais ocidentais: será que vão publicar os cartoons?
Há dois elementos que me assustam muito nestas histórias:
- nos dois lados, o diálogo entre as culturas está a baixar para o nível da sarjeta;
- nos dois lados, escolhem-se bodes expiatórios (os muçulmanos, os judeus) para agitar as sociedades e conseguir vantagens políticas.
E um elemento que me satisfaz: a qualidade do cartoon que ganhou o prémio.
(Confesso que estava à espera de muito pior)
Pode ter duas leituras, mas nenhuma delas demonstra anti-semitismo primário, ou põe em causa o Holocausto. Quando muito, relativiza-o pela comparação com outras situações.
O meu lema é: há vida inteligente do lado de lá.
(Desculpem, eu sei: é uma Lapalissade. Mas nestes tempos de guerra ao terror temos andado um bocado alheados disso.)
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Queria ainda lembrar que quando o Ocidente protestou contra a aplicação da Sharia, que obrigava à lapidação de uma mulher, não houve bandeiras queimadas, nem embaixadas atacadas, nem mortos. E até a "adúltera" se salvou.
Mas hoje, "depois das caricaturas", será que o Ocidente tem o mesmo poder de persuasão e capacidade apelativa?
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