28 maio 2020

o humor e a cultura como espaço de reflexão sobre esta crise

Será que a História contraiu hiperactividade, ou somos nós que andamos mais informados? Ainda só vou a meio da vida (espero) e já assisti ao 25 de Abril, à descolonização, ao início da tomada de consciência do problema do aquecimento climático (lembram-se, no princípio dos anos oitenta, dos artigos sobre o "efeito de estufa"?), à queda do muro de Berlim, à criação da União Europeia, ao 11 de Setembro, à invasão do Iraque, ao Verão de 2015 na Alemanha (quando o país se mobilizou com toda a generosidade para acolher refugiados), ao regresso de tendências políticas fascizantes e agora à crise da Covid-19. Isto sem pensar muito, e entre outros.

Mas não me lembro de nenhum caso como o actual, no qual os artistas e os humoristas estiveram tão presentes desde o primeiro momento. Será que sou eu, que tenho mais tempo para me dar conta do que está a acontecer? Ou será que o facto de termos ficado todos imobilizados em casa, sem outro recurso senão a comunicação nas avenidas largas das redes sociais, tenha permitido estes encontros imediatos em tempo real da História com os agentes de cultura e com o público? 

Se arranjar tempo, gostava de passear pela página Mamouz do Instagram para uma pequena antologia do humor durante a crise da Covid, organizada cronologicamente por semanas. Haverá com certeza outras páginas, mas esta, com dezenas de piadas por dia, revelou-se para mim um grande barómetro do pulsar da sociedade.

Quanto à Literatura, gostava de falar de dois escritores que têm trabalhado muito, reflectindo o que nos está a acontecer. 

Um é o Wladimir Kaminer, que lê os seus textos sobre esta crise no facebook, às oito da noite todas as quintas-feiras, e nos intervalos faz canções sobre o mesmo tema com o seu amigo Yuriy Gurzhy: o riso em tempos de covid. A primeira canção, por exemplo, chamava-se "fica em casa, mamã!", e a avó Kaminer era a special guest star do vídeo.
Para quem fala alemão: está tudo no mural de facebook dele. 

Outro, que descobri recentemente, é Wajdi Mouawad. Quando lhe fecharam o teatro, abriu uma filial para a sua voz: um diário lido por ele, dia após dia, e divulgado na internet. 
Tenho estado a ouvir, e gosto imenso. Recomendo. 
Não sei se o podcast pode ser ouvido fora da França. Aqui deixo alguns links possíveis: 
- Théâtre de la Colline
Spotify 
SoundCloud

Para me poupar o latim, partilho um texto de Corinne Denailles, em francês, que me tirou as palavras da boca:


Nous avions parlé de l’initiative du théâtre de la Colline mise en place dès les premiers jours du confinement et depuis largement saluée par les médias. Au bout de trois semaines, le Journal de confinement offert par Wajdi Mouawad sur le site du théâtre pourrait faire figure d’œuvre à part entière, un témoignage humain, artistique de haute volée dans laquelle Mouawad s’engage en tant qu’individu pour exprimer ce que lui inspire cette situation inédite. Parfois, il part de situations anecdotiques pour, invariablement, au fil du petit quart d’heure journalier, s’élever, prendre de l’altitude, s’ouvrir à des souvenirs de l’enfance au Liban et de la guerre, de la vie à Montréal ou des nuits passées à rêver sous un secret bec de gaz à Nogent-sur-Marne. Sa pensée, ses réflexions amples, douées de ce souffle qu’on aime tant dans ces meilleures mises en scène, sont nourries (et nous nourrissent) de détours par la mythologie grecque, le cinéma, la peinture, la poésie, convoquant les artistes qui lui sont chers. Il met en oeuvre son art singulier de la digression, du retour en arrière, des récits parallèles ou enchâssés les uns dans les autres, il brasse les thèmes obsessionnels qui traversent ses pièces (le sacrifice, la parole donnée, la promesse non tenue, etc, (cf le Jour 18, vendredi 3 avril) et, alors qu’on croit qu’il a perdu le fil, il rassemble tous ses motifs pour revenir à la situation actuelle, et parler du confinement. 

Dans cette période étrange où l’on se sent un peu sidérés, hébétés, incapables de penser à autre chose qu’à maîtriser sa peur, s’approvisionner ou à se protéger, ces petites pastilles poétiques nous aident à faire tomber nos confinements intérieurs ; les mots de Mouawad, et sa voix si douce, créent un appel d’air salvateur. Il pense le monde à travers ses propres expériences et a le talent de savoir les transmettre. Certes, les propositions sont inégales — et comment ne le seraient-elles pas ? — mais toutes sont belles, certaines exceptionnelles. L’exercice exigeant compte déjà 18 opus (combien encore à venir pour arriver au bout de nos peines ?), autant de viatiques pour tenir bon dans la tourmente de cette Odyssée involontaire, de vade mecum à consulter sans restriction pour ne pas perdre le nord dans cette traversée tempétueuse. 

On peut espérer une large diffusion (publique et scolaire) de l’ensemble (audio, papier, les deux), parce que c’est le témoignage d’un événement inédit dans notre histoire, mais aussi, pour ses qualités intrinsèques, littéraire et philosophique. 

Journal de confinement de Wajdi Mouawad, théâtre de la Colline. 

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