20 fevereiro 2020

Berlinale 2020 - primeiro dia



A 70ª Berlinale ia-me começando mal. A caminho da bilheteira vi um homem a decepar as plantas que já tantas alegrias me deram, e fotografei a cena. Ele chamou-me, furioso. Que é proibido fotografar pessoas, e coisas assim. Tentei explicar que o meu interesse era a cena, e não ele propriamente dito, mas estava mesmo furioso. De modo que apaguei uma foto em que se via um pouco da sua cara, e pedi-lhe autorização para ficar com a imagem de costas. Depois virei a esquina, e dei com todo o aparato mediático da Berlinale - câmaras de televisão, fotógrafos profissionais, jornalistas. Suspeito que aquele decepador de alegrias venha a passar uns tempos difíceis nesta zona da cidade.

O filme "H is for Happiness", que constava da lista de filmes que posso ver amanhã, despertou a minha curiosidade - mas esgotou ao fim de cinco minutos. As vendas para grupos também já estão todas esgotadas, e nas bilheteiras, então, nem se fala. Parece que toda a gente está a precisar desesperadamente de algo que as (nos) faça sentir bem.

Entrei em duas sessões para a imprensa: o filme da abertura, My Salinger Year, e um documentário chinês: Yi zhi you dao hai shui bian lan / Swimming Out Till the Sea Turns Blue, de Jia Zhang-ke. O documentário juntava apontamentos biográficos de escritores, apontamentos do dia-a-dia na província chinesa de Shanxi China, frases da pena desses escritores e algumas imagens da região. Um - como direi? - autêntico arroz xau-xau: com muitos ingredientes, mas sem grande sabor.

"My Salinger year", dePhilippe Falardeau, parece a versão canadiana de O Diabo Veste Prada, mas num contexto de editoras de literatura e só a meio vapor, quer dizer: com pessoas de bem. Em termos de feel good movies ficámos assim: falhou-me o H is for Happiness, mas tive um prémio de consolação jeitosinho. 

Algumas observações ao fim do primeiro dia:

- Este ano nota-se que a Berlinale está a poupar papel. O programa tem muito menos folhas, há menos cadernos, e sugerem que as pessoas imprimam algumas informações em casa. 

- Hoje só vi duas pessoas com máscara. Parece que o medo do covid-19 ainda não chegou a Berlim.

- Alguns rituais foram à vida: fechou o McDonald's onde tomava o pequeno-almoço naqueles dez minutos entre ir buscar os bilhetes do dia seguinte e entrar na primeira exibição do dia para a imprensa. O centro comercial junto à Potsdamer Platz também vai encerrar para obras e praticamente já só tem os guichets para venda de bilhetes. Adeus gelado Coffee Time no primeiro andar, adeus restaurantes na zona de acesso à S-Bahn.
Isto é para eu aprender a pensar duas vezes antes de dizer com um ar alegre que Berlim é uma cidade em permanente processo de auto-reinvenção.

- Estou a ver a chegada das estrelas. Ainda tenho de me habituar à imagem de tatuagens enormes a coexistir com vestidos de senhora à moda antiga.

- Gostei muito de ver a chegada do "nosso" Welket Bungué.

- Sinto a falta do Dieter Kosslick, o simpático trapalhão.

- Quando me vim embora, às quatro da tarde, já havia pessoas à espera das estrelas. Chovia um pouco. Lembrei-me de outros invernos em que estive por ali com a minha filha, e do frio que passámos. Este ano nem sequer têm aquecedores para as actrizes posarem à entrada sem apanharem uma pneumonia. 




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