17 dezembro 2019

parece o facebook


"Isto parece o facebook!" foi o comentário revoltado e triste ouvido a uma visitante da casa de Max Liebermann, ao ler esta carta dirigida ao pintor, na altura em que fora nomeado director da Academia das Artes de Berlim:



                                                                                                                Berlim, 6 de Agosto de 1924
                                                                                                                W 15 Fasanenstraße 15



Para o senhor (professor) Max Liebermann
                                          Berlim, W. 7 Pariser Platz 7

Graças à sua capacidade tipicamente judaica de se insinuar, conseguiu o lugar de director de um Instituto Superior de Artes alemão, que é de todos o menos merecido por um judeu untuoso como você. 


Todos os alemães estão profundamente revoltados com esta usurpação infundada e esta pouca vergonha. Pode ter a certeza de que muito em breve rebentará a tempestade, e toda a escumalha mentirosa de judeus será rapidamente varrida da Alemanha, mas você será enforcado porque conspurcou a arte alemã. De facto, você só chegou tão alto devido à ajuda dos percevejos judeus que usaram o dinheiro deles para lhe pagar. O enorme movimento alemão contra o judaísmo parasita e fraudulento já não está disposto a aceitar passiva e calmamente os seus actos maléficos e criminosos, antes conseguirá, com a maior precisão e energia, exterminar para sempre essa corja. A nossa paciência chegou ao fim. No que lhe diz respeito, não lhe concederemos tempo algum para se regozijar com este triunfo. Se dentro de 8 dias não prescindir voluntariamente do cargo de que se apoderou de forma insolente, do mesmo será

v i o l e n t a m e n t e 
 afastado.


Assinado: Seidl  


---

Parece o facebook, e parece os comentários nos jornais: a identificação de um inimigo ao qual se atribuem parasitismo e intenções malignas em relação a "nós" (os políticos, os refugiados, os migrantes, os ciganos, os negros de certos bairros), a ilusão de que se fala em nome de todo um povo, o apelo à violência ("e ninguém lhe dá um tiro?"), a redução de humanos a substantivos colectivos de animais ou a pragas de insectos.

Já vimos aonde é que esta linguagem, aliada a um contexto de instabilidade da Democracia, pode levar. Hoje em dia já vemos esta linguagem banalizada no espaço público, e o seu uso - consciente ou involuntário - é um importante instrumento do insidioso ataque às Democracias que está a ser conduzido "com a maior precisão e energia".

Se fosse hoje, o Herr Seidl residente na Fasanenstraße nº 15, um dos bairros mais chiques da Berlim daquela época, responderia às críticas que alguém dirigisse aos termos desta carta alegando que tem o direito de dizer o que pensa porque esta corja esquerdista ainda não conseguiu acabar com a liberdade de expressão, e que nenhuma ditadura do politicamente correcto o impedirá de dizer as coisas como elas são e como têm de ser abertamente ditas.

Que não haja dúvidas: este tipo de discurso dos Herr Seidl do nosso tempo faz parte de uma estratégia de destruição da Democracia e das impressionantes conquistas em termos de incorporação dos valores humanísticos que as sociedades fizeram após o pesadelo da segunda guerra mundial. Temos obrigação de tomar medidas para proteger o mundo do século XXI e de evitar que se repitam as catástrofes do século XX. Neste vídeo, Sacha Baron Cohen reflecte sobre algumas medidas possíveis e urgentes.  



---

À margem do tema do post, deixo mais alguma informação sobre as perseguições de que o pintor Max Liebermann foi alvo por ser judeu.




1 comentário:

Jaime Santos disse...

A Fasanenstrasse é, na minha modesta opinião, ainda hoje uma das mais belas pequenas ruas de Berlim que conheci (ficava perto de onde vivia, ali junto a Hohenzollerndamm).

Que este indivíduo tenha conspurcado tal lugar com o seu ódio, é algo que custa a crer se nos esquecermos do caldo cultural da Alemanha de Weimar.

Há uma diferença no entanto relativamente aos posts no facebook. Tal linguagem provavelmente só aparecerá nos dias de hoje sob a capa cobarde do anonimato. O que significa que não chegamos ainda a um ponto em que o anti-semitismo e o apelo à violência sejam aceites como algo de normal. O sr. Seidl hoje seria preso.

E era bom que quem procura subjugar os outros pelo medo se lembre que eles podem não aceitar tal subjugação e resistir pelos meios necessários. Como o fizeram os conjurados do 20 de Julho, que não entendo por que razão não é um Feriado na Alemanha. Os povos devem poder chorar os seus heróis mortos, mesmo os vencidos.