16 dezembro 2019

a História ao pequeno-almoço

Por estes dias tivemos a visita de uma amiga que vem de uma família com uma geografia complicada: polacos que viviam na Checoslováquia e foram apanhados pela tormenta da invasão alemã, na altura em que Hitler soube capitalizar o descontentamento dos alemães dessa região para se apoderar do país.

Ao pequeno-almoço, na nossa cozinha cheia de sol, a conversa vagueou pela memória desses tempos sombrios que a família dela transporta consigo.

Quando a Alemanha nazi começou a dominar a Checoslováquia, foi instituída uma sociedade com vários níveis: no topo os alemães da Alemanha, a seguir os alemães da Checoslováquia, depois os checoslovacos que falavam alemão. No limite de sub-humanos estavam os polacos, e a seguir vinham os judeus. O avô da nossa amiga, sendo polaco, viu-se obrigado a declarar-se adepto de Hitler para conseguir sobreviver. A estratégia deu-lhes algum alívio durante uns tempos, mas viria a ser paga com a vida de alguns membros da família quando se criou o Volkssturm (exército de civis recrutados mais ou menos à força) e os adeptos de Hitler foram obrigados a servir de reforço ao exército alemão contra o exército vermelho.

Um tio-avô da nossa amiga, homem mais teimoso e defensor dos princípios, atreveu-se a virar o retrato de Hitler contra a parede da sua loja, onde devia estar exposto. Uma ex-namorada denunciou-o aos nazis, e estes invadiram a casa dele para o matar à frente da família. Deixaram o cadáver exposto na rua durante 24 horas para que servisse de lição a todos os outros.

Lembrei a conversa que tive há muito tempo com uma polaca que vivia há décadas em Weimar. Ela louvava os alemães e tinha asco aos russos. Eu não entendia aquela transigência com a Alemanha, que preparou uma lista com quase cem mil polacos importantes que deviam ser executados logo após a invasão. "Os nazis queriam quebrar a coluna vertebral do país!", disse eu. "Ora, ora! Eles queriam era apanhar os judeus, e calhou de muitos deles serem intelectuais, professores, médicos e políticos", respondeu ela.

"Pois, não é por acaso que Auschwitz foi construída na Polónia", comentou a nossa amiga. "Ao longo da História, a Polónia ganhava as batalhas mas paradoxalmente saía sempre a perder. As fronteiras do país eram desenhadas a lápis. O povo sofria imenso, e no meio de todas aquelas tragédias cometeu o terrível erro de se virar contra o elo mais fraco - os judeus. Fizeram deles o bode expiatório. Pelo que não houve muita resistência ao Holocausto levado a cabo pela Alemanha em território polaco. Mais tarde, a ordem que resultou da segunda guerra mundial, que pôs a Polónia sob a alçada da URSS, deu origem a um ditado terrível: antes violada pelos alemães que libertada pelos russos".


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