16 agosto 2018

quando as palavras se tornam arma

Enquanto pesquisava para escrever o post anterior fiz um breve busca por "Verrohung", que é uma palavra cada vez mais repetida para criticar o tom dos debates na Alemanha. Significa "brutalização": a brutalização da sociedade, a brutalização do discurso no espaço público.
A brutalização.



Um dos artigos que encontrei, de Georg Diez, já tem dois anos, mas está cada vez mais actual. Foi escrito a seguir ao massacre de Orlando (e tantos massacres aconteceram já depois desse!). Ainda não se imaginava sequer que Trump seria o próximo presidente dos Estados Unidos, e os princípios democráticos mais básicos ainda eram o fundamento dos discursos na Casa Branca. A gente lê o que na altura se escrevia (os links são para textos em inglês), olha para o descalabro em que nos encontramos, e conclui lapalissadamente: estava escrito.

 

Quando as palavras se tornam arma
Quem usa um discurso de exclusão cria as condições para que as pessoas se entreguem ao ódio. Os assassínios em Orlando e Leeds são a consequência de uma retórica bélica.

O que acontece quando racistas chegam ao poder?
Morrem pessoas.
O que acontece quando os noticiários nos repetem todas as noites palavras de ódio, desconfiança e desprezo, como se isso fosse o mais normal que há no mundo?
Morrem pessoas.
O que acontece quando quotidianamente se derruba a fronteira da civilidade? Quando políticos apelam ao ódio? Quando as palavras se tornam arma?
Morrem pessoas.
Ou, como Barack Obama disse recentemente: "Where does this stop?"
Obama criticava Donald Trump, que se aproveitou do massacre de Orlando para propagar mais uma vez a sua agenda islamofóbica.  
Para Trump, o facto de o assassino de Orlando ser americano não contava. Exigia na mesma, e de novo, "a complete and total shutdown" - o impedimento de muçulmanos entrarem no país.
Antes disso, Trump já ameaçara um juiz por ter um nome que soava mexicano, o que foi, para além de um desrespeito pela Constituição, a exibição de um "racismo como vem definido nos livros" (citando um dos seus colegas de partido).
Mas para onde nos leva tudo isto?
O que acontece quando as próprias pessoas que querem governar em Democracia não acreditam nos fundamentos e nos limites democráticos?
Aonde é que isto leva?
O que acontece quando alguém como Nigel Farage, líder do UKIP, usa a discussão sobre o Brexit para semear o ódio contra os refugiados sírios?
Aonde é que isto leva?
Leva-nos para Leeds, quando um homem com evidentes problemas mentais dispara contra uma política e grita "Britain first", mata essa pessoa e ao mesmo tempo ataca tudo o que a Democracia representa.
Começa a ser tempo de percebermos isto: as palavras têm consequências.
Isto é válido para o tresloucado que algures no Médio Oriente grita "morte aos infiéis!", é válido para o tresloucado que em Orlando assassina homossexuais numa pista de dança.
Isto é válido quando uma sociedade permite que o ódio contra as minorias seja aparentemente OK - e as pessoas que tomam partido por essas minorias, como Jo Cox, se tornam o alvo desse ódio.
O que aconteceu em Orlando foi um acto de terrorismo?
Foi.
O que aconteceu em Leeds foi um acto de terrorismo?
Foi.
É o que acontece quando as pessoas são sistematicamente encorajadas a dar rédea solta ao ódio que trazem no coração.
É o que acontece quando a envolvente política, social e cultural se transformou de tal maneira que o ódio parece ser uma atitude aceitável.
É o que acontece quando demasiadas pessoas permitem que os limites do aceitável no debate público sejam arredados para cada vez mais longe.
Aqui pode ver-se as consequências de longo prazo que resultam da dureza com que tem sido conduzido o debate sobre a questão dos refugiados.
É um veneno que se instala em muitas ramificações da sociedade e condiciona o pensamento e o discurso das pessoas, muito mais do que elas se dão conta.
Pelo que, para além do horror que nos provoca o assassínio de Jo Cox, temos também de tirar conclusões.
Quem usa um discurso do medo e da exclusão cria as condições para que as pessoas dêem livre curso ao seu ódio.
No caso dos refugiados que chegam à Europa, trata-se de um erro exemplar, porque era justamente aqui que a Política tinha a oportunidade de se reinterpretar de um modo diferente e inspirador.
"Não é possível que o fracasso da 'cultura de acolhimento' seja festejado como uma vitória", disse recentemente Hans Maier, o antigo ministro bávaro do Ensino e da Cultura, criticando o seu partido CSU.
Esta atitude destrói todas as conquistas "positivas e felizes", como Maier lhes chamou, substituindo-as pelo negativismo e pela manipulação direccionada. 
É assim que os racistas governam. Como escreveu Mark Danner, "Trump é a personificação nacional de todos os nossos medos" - e o medo produz novos medos.
O medo precisa do medo - eis a descrição do que aconteceu em Leeds e também em Orlando.
O psicólogo Dan P. McAdams afirmou que Donald Trump alimenta uma "warrior narrative" - a narrativa bélica como
lenda heróica cruelmente narcisista.
Mas onde há guerra, há vítimas.
E o contrário também é verdade: é necessário haver vítimas para que a guerra se instale.


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