19 junho 2018

o escuro que me ilumina



Não sei que se terá passado na minha semana de férias em Portugal, que regressei a Berlim com uma inusitada energia para dar uma volta à casa - quatro anos depois da mudança, quatro anos a protelar últimos detalhes. Hoje, por exemplo, vou comprar encaixes para lâmpadas, porque metade das ligações para a luz ainda não passam de fios a espreitar da parede ou do tecto.

Pergunto-me quantas semanas de férias em Portugal serão precisas para arranjar energia para o passo seguinte: escolher os candeeiros, comprá-los e instalá-los. Até lá, serão as lâmpadas nuas (chamamos-lhes "design moderno" e, neste caso concreto, será um muito original "ebony and ivory", porque os encaixes que foram postos no dia da mudança são pretos, e hoje tenciono comprar os restantes em branco).

Isso é o projecto de hoje. Ontem, calhou de serem as almofadas do sofá. Resolvi lavá-las, e como são feitas à mão e uma delas é de linho bordado mais que centenário, lavei-as à mão com um produto para tecidos delicados. É que não esqueço aquela vez em que meti na máquina de lavar uma toalha de linho caseiro enorme feita em meados do séc. XIX (sim, numa das barras tecidas em milhentos nós lia-se o nome da avó e a data em que a fizera) e saiu de lá uma coisa pastosa em vez da toalha. O universo bem podia ter-me dado essa lição à custa de algo menos precioso, triste vida!

Como ia dizendo: deitei o produto delicado na água, pus as almofadas brancas de molho, e passadas algumas horas a água estava preta. Por favor, confirmem-me isto: os produtos para lavagem delicada têm um enzima ou um coiso qualquer que escurece artificialmente a água só para mostrar trabalho, não é? Isto é tudo pensado para dar às pessoas a sensação de "valeu a pena, em boa hora me lembrei de lavar isto, etc.", não é? É que se não for, vou ficar um bocado perplexa com a esterqueira que andava a exibir no sofá sem me dar conta. A culpa, senhor juiz, não é minha - é desta casa iluminada em estilo romântico-misterioso-intimista, por faltarem ainda muitas lâmpadas nas paredes e nos tectos.

Hoje vou comprar os encaixes. Depois veremos quem os aplica. Suspeito já que nesse dia os meus olhos se abrirão e conhecerei a verdade, e - caso ainda me sobre alguma da energia que trouxe de Portugal - esta parte da minha rua vai parecer a aldeia da roupa branca.

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"O escuro que te ilumina" é o título do novo livro do José Riço Direitinho. Estou com muita vontade de o comprar, mas para isso tenho de ir a Portugal, e sabe-se lá com que energias de lá volto, e que novas voltas me fará dar à minha vidinha. Seria mais um caso de a literatura mudar a vida de uma pessoa, e não sei se tenho coragem para tanto.


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