12 maio 2015

pela boca morre o peixe?


(foto: Paulo Almeida)

Já não se fazem conclaves como antigamente. 
Se fosse um conclave a sério, só saíam dali quando tivessem escolhido o maestro para substituir o Simon Rattle à frente da Filarmónica de Berlim. Mas não foi o caso: ao fim de doze horas de debate, foram cada um para sua casa e mandaram dizer que daqui a um ano voltam a pensar nisso. O que talvez seja muito boa ideia - falar durante 12 horas, ouvir os argumentos dos outros, e depois ir consultar (repetidamente) a almofada.

Pouco se sabe sobre o que foi discutido dentro daquela igreja. Há quem adiante, como o Spiegel Online, que a orquestra está profundamente dividida entre a vontade de voltar à tradição e de se redescobrir como uma orquestra inimitável no seu repertório clássico (nesse caso, o maestro quase ideal seria o Thielemann), e o desejo de inovar e inventar caminhos novos - o que fez Simon Rattle, apesar da resistência de alguns músicos, e o que faria um Andris Nelsons. Segundo os jornalistas, os músicos estariam divididos entre um caminho seguro e sem surpresas e uma enorme e desafiante experiência com resultados em aberto. Como se dizia numa coluna de opinião no jornal Die Zeit, "alguns maestros muito prometedores ainda trazem agarrados bocadinhos da sua casca de ovo".

Nas notícias leio um comentário curioso: muitos membros da orquestra pronunciaram-se contra Thielemann não devido às suas qualidades como músico, mas por ter mostrado compreensão em relação ao fenómeno Pegida. No texto que publicou no semanário Die Zeit, o maestro questiona a afirmação de Angela Merkel ("a religião muçulmana faz parte da Alemanha"), mostra compreensão pelo descontentamento das pessoas e diz que é preciso ouvi-las, critica o actual estado dos debates que mantém as pessoas presas entre os tabus e o politicamente correcto (isto não são citações, é uma síntese rápida e bastante livre). 

E afinal: somos todos Charlie? Pode um empregador castigar um músico devido à sua opinião política? Para quem tem assistido ao moroso e difícil trabalho de confronto que esta orquestra tem feito com a sua história no período nazi, é bastante fácil entender o repúdio dos músicos por posições políticas que possam representar um desvio, por mínimo que seja, dos valores democráticos, e a vontade de não trazerem para perto de si actores que possam denegrir de novo a imagem da orquestra. 

É fácil de entender. Desde logo porque o trabalho musical exige uma empatia profunda - e quantos de nós se imaginariam a trabalhar de forma íntima e empática com alguém que olha com tolerância para o fenómeno Pegida? Mas também ficamos com um ligeiro travo a livros queimados e a saneamentos ideológicos. Parece que, para onde quer que vamos, vamos numa direcção "been there, done that".

Precisamos urgentemente de encontrar maneiras de defender a Democracia que não passem elas próprias pelo ataque aos valores democráticos. 


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