12 maio 2014

como a lava que corre



E se nesta altura, em que não tenho tempo para nada, me dessem bilhetes para ir ver a Elīna Garanča, que devia eu fazer?
Fiz o que devia, pois claro: disse-me que era domingo, e que também tenho direitos, e tal, e fui.

Um concerto inesquecível.

A Elīna Garanča canta como se fosse fácil. Uma pessoa nem repara na técnica, na dificuldade da peça, nada. Quase diria que canta como a água que corre, mas pecava por defeito: estaria a omitir o calor da voz, as nuances que mistura nas notas com tal intensidade e variação que mais lembra a cor do fogo contido na lava. Como a lava que corre - com a diferença que a lava destrói, e esta voz, à sua passagem, deixa apenas o assombro da beleza.
Por falar em beleza: esqueci-me de levar os binóculos. Estava no bloco B, bem à frente, mas para ser perfeito devia estar sentada no palco a deslumbrar-me com a graça desta mulher. E a lindeza dos seus vestidos - mudou no intervalo, a Christina e eu não conseguimos chegar a acordo sobre qual era o mais bonito.
(Eu não acredito que já estou a falar dos vestidos, ainda antes de dizer que o pianista, Roger Vignoles, foi extraordinário!) (Onde anda a Caras, que ainda não me empregou para chefe de redacção? E CEO e tudo o resto, menos a parte dos serviços administrativos, que para isso não tenho tanto jeito.)

Cantou Robert Schuman, Alban Berg e Richard Strauss.

Do Liederkreis de Schuman gostei especialmente dos Lieder der Braut, e - para quem quer saber tudo - do Lied der Braut I. É que ontem era dia da mãe aqui na Alemanha, e soube-me bem ouvir aquele poema tão bem cantado.

 Mutter, Mutter glaube nicht,
 weil ich ihn lieb' all so sehr,
 daß nun Liebe mir gebricht,
 dich zu lieben, wie vorher.

 Mutter, Mutter! seit ich ihn liebe
 lieb' ich erst dich sehr.
 Laß mich an mein Herz dich zieh'n,
 und dich küssen, wie mich er!

 Mutter, Mutter! seit ich ihn liebe,
 lieb' ich erst dich ganz,
 daß du mir das Sein verlieh'n,
 das mir ward zu solchem Glanz.

(A noiva diz à mãe que, apesar de apaixonada, continua a amá-la como antes, e agora mais ainda, pois foi a mãe quem lhe deu a vida para viver tão grande alegria. )



De Schumann cantou também a série "Frauenliebe und Leben":






Alban Berg não é propriamente dos meus compositores favoritos. Ao ler no programa que os "Sieben frühe Lieder" só não acabaram no caixote do lixo porque a mulher dele não deixou, tive vontade de fazer uma piadinha de mau gosto sobre as mulheres que se metem no trabalho dos maridos. Ainda bem que não fiz, porque a Elīna Garanča fez-me mudar a opinião. Obrigadinha, ó Frau Berg!









Seguiram-se cinco dos Sechs Lieder de Richard Strauss, como este "Allerseelen" (tão triste),



e muitos aplausos, e ela a voltar ao palco duas vezes: para cantar "Morgen!", de Richard Strauss,



e uma canção do seu país, "Fecha os olhos e sorri", que ela anunciou com um sorriso maroto e orgulhoso:



No fim aplaudi com muito entusiasmo, à espera que ela fizesse sete encores como o Jonas Kaufmann, ou ao menos só mais um: Beim Schlafengehen do Strauss.
Mas nada, triste vida. A ver se no próximo concerto se lembra disso. Por mim, estava bem capaz de lhe dar uma segunda oportunidade...
(Depois do concerto de ontem, estava bem capaz de nunca mais a largar de vista!)


1 comentário:

jose disse...

E além disso é bonita,digo eu que venho de um tempo(talvez fáchista...)em que havia sexo definido.