08 setembro 2012

medidas de poupança e alterações estruturais - Portugal visto a partir da Alemanha

O que se segue não é propriamente novidade para os portugueses, mas traduzo só para informar como é que ontem se falou de Portugal no noticiário do primeiro canal alemão (aqui, em alemão) (tradução apressada e com alguns cortes):

Novas medidas para o saneamento das contas públicas

Portugal anuncia mais medidas de poupança

O primeiro-ministro português, Passos Coelho, anunciou aos seus compatriotas novas medidas de poupança para o saneamento das finanças do Estado. Uma delas será o aumento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social de 11 para 18% em 2013. Em troca, os empregadores vêem o peso das suas contribuições reduzido de 23,75 para 18%, para criarem novos postos de trabalho. Além disso, mantém-se em 2013 o corte dos 13º e 14º mês nas reformas do sector privado e público.

Prevêem-se receitas menores na área dos impostos

A crise financeira em que Portugal caiu em 2011 ainda não está ultrapassada, avisou Coelho. A economia portuguesa continua em recessão. O governo de Lisboa conta para este ano com uma redução de 3,3% da Economia. O ministério das Finanças prevê uma descida das receitas de impostos de cerca de dois mil milhões de euros. As contas públicas estão sobrecarregadas, entre outros, com uma taxa de desemprego record de 15,7%.

A troika analisa o programa de poupança

Este ano, o governo aponta para um défice de 4,5%; analistas dizem que será superior a 5%. Representantes dos credores internacionais da UE, FMI e BCE estão a analisar o progresso do programa de poupança. Está em causa a entrega de 4,3 mil milhões de euros, que é a próxima tranche do pacote de ajuda a Portugal, no valor total de 78 mil milhões de euros. Até agora, Portugal já recebeu 57,1 mil milhões de euros. Em 2011, Lisboa conseguiu um défice orçamental de 4,2%, o que foi muito além dos objectivos do programa de poupança.

O parceiro da coligação rejeita o aumento de impostos e contribuições

As nova medidas de poupança colocam Coelho mais uma vez sob pressão. O CDS, seu parceiro da coligação, pronunciou-se contra o aumento dos impostos e das contribuições. Do mesmo modo, o partido mais importante da oposição, o PS, não está disposto a aceitar o aumento da carga fiscal dos portugueses.

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Entrevista com Claus Friedrich Laaser, do Institut für Weltwirtschaft na Universidade de Kiel:
(aqui, em alemão).

"Portugal não deve apenas poupar"

Quais são as probabilidades de Portugal conseguir recuperar a sua economia apesar das medidas de poupança? Boas, diz Claus Friedrich Laaser. O país tem uma base industrial melhor que a grega. No entanto, é necessário haver uma mudança de estrutura, para se tornar concorrencial.

tagesschau.de: Portugal tem mais hipóteses de sair da crise que a Grécia?

Claus Friedrich Laaser: Sim, penso que Portugal tem mais hipóteses. Portugal não tem de começar por definir uma nova filosofia de crescimento. Lembremos apenas a fase logo após a entrada na comunidade europeia, em 1986. Nessa altura, Portugal conseguiu atrair investimentos directos do estrangeiro com uma relativa rapidez, baseado nos baixos custos salariais e numa boa produtividade ligada aos salários. Toda a Europa ocidental deslocou para Portugal as produções mais baseadas no trabalho. A consequência foi que Portugal conseguiu desenvolver-se mais do que outros países.

tagesschau.de: Quais são os pontos positivos de Portugal?

Laaser: Portugal tem uma base industrial mais alargada que a da Grécia. As empresas em Portugal estão em melhor posição, porque estão integradas em redes de produção internacionais. Outros dois pontos a favor de Portugal: o relativo consenso alargado, que ainda existe na população, de que é preciso mudar alguma coisa, que é preciso fazer reformas. E serviços públicos nos quais se pode confiar, que estão em condições de executar as decisões políticas. Tudo isto são pontos a favor de Portugal.

tagesschau.de: Quais são os motivos da crise, e que soluções existem?

Laaser: Portugal não deve limitar-se a poupar. A poupança não pode ser evitada. Mas, por outro lado, não se pode esquecer que estamos perante uma crise estrutural. Portugal não conseguiu iniciar uma mudança estrutural quando começou a ter novos concorrentes para o seu modelo económico tradicional, com a abertura europeia aos países da Europa central e oriental: repentinamente havia outros países onde os salários eram baixos e a produtividade alta. A partir daí, os investimentos deixaram de ir para Portugal. A isto veio juntar-se a globalização, apareceu um número cada vez maior de países em vias de desenvolvimento que atraíam os investimentos produtivos. Contudo, Portugal continuou fiel ao seu velho modelo económico. Continua a ter um predomínio de indústrias baseadas em trabalho intensivo, não fez uma mudança estrutural. Por esse motivo, uma parte do programa português consiste em mudar alguma coisa e atingir esta mudança estrutural.

2 comentários:

Fernando Vasconcelos disse...

Helena obrigado por esta visão do exterior. E já agora quando os alemães perceberem que esta crise tem pouco a ver com a estrutura (débil é certo) da economia portuguesa mas tem muito mais a ver com um problema global no qual a Alemanha mais ano menos ano também vai ser engolida. Quando isso acontecer como é que pensa que os alemães se vão sentir pela injustiça que directamente ou indirectamente apoiaram? Vão voltar a argumentar que não faziam a mínima ideia? Não me interprete mal, a culpa não é da Alemanha muito menos seu, aliás isto nem um problema de conflito entre interesses nacionais ... isto é um conflito entre os agiotas internacionais que aproveitam indecentemente as fragilidades de um sistema financeiro, económico e politico sem rumo e controlado por interesses imediatos de alguns apoiados por uma comunicação social acéfala e sem espírito critico algum.

Helena Araújo disse...

Fernando,
outro dia li na Time que a Alemanha já foi fazendo alguma coisa pela vida: redução dos salários e entrada nos novos mercados, tal como o chinês. Por exemplo.
Quando me falam dos agiotas, lembro uma altura, logo a seguir à primeira crise financeira, em que a Alemanha proibiu as vendas de títulos a descoberto, e lhe caiu o mundo inteiro em cima, dizendo que os alemães têm a mania que são melhores que os outros. É pena gostarem de bater tanto na Alemanha em vez de tentarem unir esforços onde vale a pena para tentarem controlar este descalabro.