31 dezembro 2011

Taizé em Berlim (4)

Que será que deitam naquelas músicas, que me agarra por dentro e me toca fibras do coração que nenhuma outra música alcança? Foi ontem, num dos pavilhões da Feira: sentada no chão, entre milhares de pessoas, à minha frente dois casais italianos a discutir com afinco durante a oração, atrás um restolhar de mochilas e papéis, ao longe uma criança a chorar, e eu alheada de tudo, a passear devagarinho por dentro de mim.

Os pavilhões estão decorados com a habitual dignidade e simplicidade de meios: a parede à frente coberta de panos laranja, a cor laranja também projectada sobre os largos pilares centrais, onde se vê ainda os contornos de esculturas, desenhos e símbolos conhecidos. Laranja: o ouro dos pobres. Perto do lugar onde os irmãos se sentam há uma cópia de uma escultura do séc. XIV, da região de Bodensee. Hei-de ir lá fotografá-la, para mostrar aqui como é bonita: Jesus e o apóstolo João, com os corpos juntos em sinal de profundo entendimento e grande amizade. Do outro lado, uma espécie de réplica: o famoso ícone de Jesus e o seu amigo, o abade Mena. Jesus e cada um dos seus amigos, Jesus que pousa a mão sobre o meu ombro.




Na sua reflexão, lida em inglês e alemão perante representantes de várias igrejas cristãs e políticos importantes alemães, o irmão Alois apelou para uma Europa solidária e aberta, referiu a crise que a Europa atravessa, afirmando que a sua solução só pode passar pela solidariedade, e que a economia não se pode sobrepor ao respeito pela dignidade humana. Leu a mensagem de Ban Ki-moon ("vocês têm um papel crucial para operar mudanças políticas e sociais, mas lembrem-se que estar conectado não é o mesmo que estar unido - estar conectado depende da tecnologia, e estar unido depende da solidariedade"). Chamou escândalo à separação das Igrejas, e escândalo maior todos parecerem conviver pacificamente com essa situação. E disse-o perante 30.000 pessoas, a maior parte deles jovens, e até os casais italianos à minha frente pararam de discutir para escutar.
Neste link podem ouvir tudo - a partir do minuto 47 começa a leitura do seu texto.
Depois falou-se dos encontros do próximo ano: vai haver um no Ruanda, terra martirizada que precisa do nosso apoio, dizia ele, e eu pensava na missão dos cristãos: ir ao encontro dos mais pobres, do que mais precisam. O encontro de fim de ano vai ser em Roma. Pouco faltou para os italianos se atirarem ao ar de alegria.



Depois da oração muitas pessoas foram pousar a cabeça na cruz deitada no centro do pavilhão, outros foram pedir a benção ao irmão Alois. Este sorria a todos, encostava o ouvido na direcção de alguns para melhor ouvir o que diziam, respondia com um olhar vivo e sereno, e as suas mãos desenhavam gestos largos no ar.

Fomos embora. O Joachim saiu com os nossos "filhos" para o Badeschiff, eu fui com as nossas "filhas" ao supermercado russo, onde comprámos bolachas e caviar de salmão (estava a 13 euros o meio quilo, já não via esse preço desde o tempo do meu Russian network em Weimar). Em casa, de volta do pão e do caviar russo, ficámos na conversa e na risota até depois da meia-noite. Elas não gostaram do caviar, mas não faz mal: o Matthias chega na próxima terça-feira, e adora aquelas bolinhas laranja a estalar entre os dentes.

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