06 outubro 2020

ideologia de género

Levou tempo, mas finalmente percebi porque é que certos pais querem que a disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento seja facultativa, e fazem questão de ter o monopólio dos temas de "ideologia de género": é para poderem passar aos filhos os seus valores sem que os seus esforços de educadores sejam sabotados pela influência perniciosa da escola.  

Nem sei como é que não pensei nisso antes...

O bispo Edir Macedo, por exemplo: ensinou as suas filhas a ser submissas aos maridos, porque é essa a receita da felicidade. Não as deixou ir além do ensino médio, para não correrem o risco de ficarem superiores aos maridos. E vejam, no filme, como elas concordam com ele e sorriem. Se tiverem a divina graça de ter filhas, vão com certeza educá-las nos mesmos bons e santos princípios. Como deve ser. É óbvio que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento tem de ser facultativa para famílias como a do Edir Macedo: era muito desagradável para estas famílias se a escola metesse ideias controversas nas cabeças das raparigas. Ainda ficavam a pensar que têm os mesmos direitos que os homens e decidiam tirar um curso superior, criando péssimo ambiente em casa e enchendo os pais de preocupações, pois estes bem sabem que elas se habilitariam a ficar sem marido, só por serem demasiado independentes. 




Ou a Damares Alves e os seus fãs, que defendem que "menino veste azul, menina veste rosa". Aonde é que o mundo deles iria parar se as crianças aprendessem na escola que menino também pode vestir rosa - e até saias! - se lhe apetecer? A escola não tem de ensinar coisas que não estão cientificamente provadas, e, como todos sabem, "menino veste azul e menina veste rosa" é uma verdade aceite por toda a comunidade científica - a mesma que se insurge contra as roupas unissexo, extremamente malignas para a saudável estruturação das crianças. 


E com que cara ficaria Bolsonaro se os seus filhos aprendessem na escola que um pai não pode dar uma tareia a um filho para lhe tirar as ideias gay da cabeça? 
Não, não! 
É fundamental que a escola respeite os valores dos pais, não se meta em assuntos que não são da sua conta, e não restrinja a liberdade de consciência de famílias como a do Bolsonaro.


Bolsonaro, felizmente, pôde fazer o seu trabalho educativo sem interferências, e criou um filho que dá gosto ver a argumentar assim contra o movimento LGBTQ: “Se você diz que só é preciso amor para ser uma família, você vai dizer que eu e meu cachorro, eu amo meu cachorro, somos uma família. Entende? Você abre a porta para muitas coisas.”
Outros pais não conseguem educar os filhos tão bem (como se vê neste filme, por exemplo a partir de 4:33) e, perante o fracasso, acabam por ver-se obrigados a expulsar os filhos da sua própria casa, a insultá-los e a bater-lhes (como neste filme) ou então a enviá-los para centros de tratamento da "doença", onde não se olha a meios para conseguir "curar" os menores.


Finalmente, há o supremo valor do amor, tão bem explicado por Nuno Melo: o verdadeiro amor é um homem gostar de mulheres, e uma mulher gostar de homens. Gostar-se de "pessoas", nem pensar.
Nuno Melo gostaria de ensinar aos seus filhos que o lugar das "pessoas" não heterossexuais é à porta do amor, do lado de fora. E o D. Manuel Clemente (juntamente com Cavaco Silva e Passos Coelho, entre outros), aparentemente acha que sim, que o Nuno Melo tem o direito de ensinar isso aos seus filhos sem qualquer interferência da escola a lembrar que as "pessoas" também são seres humanos, e que às tantas até são boa gente, e que pior que amar uma "pessoa" é negar e combater o amor que se sente por ela.
Em suma: se os pais querem ensinar aos filhos que as pessoas LGBTQ são seres perversos, degenerados e nojentos, é inadmissível que a escola se intrometa dizendo aos menores que a dignidade das pessoas LGBTQ é tão inviolável como a de outro ser humano qualquer. E por isso é que é fundamental que os encarregados de educação tenham o direito de fazer objecção de consciência à disciplina Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento. Faz todo o sentido...
--- Para pessoas como o Nuno Melo, o Bolsonaro, a Damares Alves e o Edir Macedo (e para todos os que subscreveram aquele texto defendendo que os pais devem poder fazer objecção de consciência à disciplina de Educação para a Cidadania e o Desenvolvimento), o vídeo que se segue é material altamente nocivo da "ideologia de género" e do "marxismo cultural". Para mim, é das coisas mais dignas e comoventes que vi nos últimos tempos.





Sem comentários: