29 agosto 2015

"como vais?"

As cenas deste filme lembram-me uma anedota que se contava no verão de 1989 na Alemanha:

Duas pessoas da RDA cruzam-se na rua:
- Como vais?, pergunta um.
O outro chega mais perto, e segreda:
- Pela Hungria.

Há 26 anos era assim. A Hungria abriu a fronteira para a Áustria, e os alemães da RDA aproveitaram para fugir, deixando tudo para trás.

Agora a Hungria - melhor dizendo: a Europa, nós! - fecha a porta.
Ontem encontrei no Cinemagosto duas alemãs que trabalham como voluntárias no acolhimento dos refugiados que conseguem chegar a Berlim. Das conversas com elas, algo ficou muito claro: se não fizermos ouvir a nossa opinião por palavras e por gestos de solidariedade, nada vai mudar nesta nossa Europa.
Está nas nossas mãos.




27 agosto 2015

Cinemagosto, hoje!









Leio o anúncio do Cinemagosto no site de um dos melhores cinemas berlinenses, aqui (em alemão), e sinto-me feliz e incrivelmente orgulhosa: quatro dias de cinema português nos Hackesche Höfe, no coração de Berlim!

Ontem, uma amiga comentava comigo: "a vida é tão gira quando tudo é possível, não é?"
É, é! Mas, no caso do Cinemagosto, estão aqui muitos meses de trabalho intenso da Anabela Moutinho, curadora da mostra, e do Hannes Reiss, o outro imprescindível do nosso grupinho de três pessoas. Tudo é possível quando as pessoas certas trabalham muito para que o seu sonho se torne realidade.

O Cinemagosto começa hoje, às oito da noite, com "Esquece tudo o que te disse", de António Ferreira, e termina no domingo com uma homenagem a Manoel de Oliveira e o seu Vale Abraão.
No conjunto, serão 10 filmes em 8 sessões. Ficção, documentário e animação para o tema deste ano: um amor português. 


22 agosto 2015

sabem aquelas piadas do corrector automático?

Acabei de receber um sms de um homem que vai ficar uns dias no nosso quarto airbnb, e diz mais ou menos isto:

"Olá Helena,
segunda-feira é o dia. Chegaremos a Berlim a meio da tarde. Como é que costumas fazer para enfiar?"

Einstecken. Aposto que queriam dizen Einchecken (de "check-in").


20 agosto 2015

a banalidade do bem



Pensando bem, isto nem devia ser notícia no noticiário da televisão: na Baviera, um condutor de autocarro dá as boas-vindas aos 15 refugiados que leva a uma piscina: "Welcome to Germany, welcome to my country. Have a nice day!"

No noticiário da televisão, Klaus Kleber conta a cena, e emociona-se. Remata: "às vezes pode ser tão simples como isto".
(aqui, em alemão)

O caso já tem alguns dias, mas continuo a pensar nele. O que o condutor do autocarro fez não seria nada de especial se o nosso mundo fosse feito de empatia e respeito pelos outros. Mas o jornalista, mais do que ninguém, sabe que não é assim. Todos os dias há na Alemanha ataques físicos ou verbais muito graves contra os refugiados. E todos os dias há também gestos e frases de uma grande generosidade. Ainda bem que Klaus Kleber se engasgou um pouco ao referir um deles, o mais banal de todos - é sinal do poder redentor do Bem mais simples e banal. Gestos que estão ao alcance de qualquer um de nós, sem grande esforço e muito menos heroísmo.


agarrem-me, que arranjei mais um vício!

É oficial: tenho um novo vício. Leandro Karnal. Vejam o primeiro vídeo, nem chega a 2 minutos e vale muito a pena.

(mas atenção, que é como nos vícios: pode ser um caminho sem retorno!)









(e é mais bonito que o Varoufakis!)

(e tem um belo sentido de humor - por exemplo, no segundo vídeo, a partir de 21:00: "eu tenho a sensação que muitos espectadores estão casados comigo: não me escutam e não temos sexo")

(ou, também no segundo vídeo, um pouco mais à frente, quando conta que estava a ter uma reunião com alguém que atendia o telemóvel sempre que tocava: "tocou uma vez, ela atendeu, e eu pensei que devia ser algo importante; tocou segunda vez, ela atendeu, e eu pensei que devia ser ainda mais importante; tocou terceira vez, e era eu, dizendo que se ela preferia falar pelo telemóvel podíamos fazer a reunião assim")

(agora estou desconfiada: será que fui a última a saber? será que em Portugal já andam todos a falar dele, e ninguém me contou?) (não me digam que estou rodeada de amigos da onça?...)


ignorância atrevida

Ora aqui está um belo exemplo daquele grupinho de gente ignorante e muito convencida que - infelizmente - há em cada país.


Por volta de meio-dia, na esquina da Paulista com a rua Peixoto Gomide, Tânia parecia incomodada com a adesão abaixo da...
Posted by Jornalistas Livres on Domingo, 16 de agosto de 2015



Há tempos, uma pessoa brasileira com apelido alemão comentava assim, a propósito da notícia de um ataque com uma arma branca a uma mulher, num túnel para peões de numa boa zona residencial do Rio:

Sou a favor de exterminar com todos estes merdas , que não servem para nada ... 
Cade o pessoal que deu uma limpada na Candelária , heim???

"Exterminar", "todos estes merdas", "que não servem para nada" e "dar uma limpada": parece traduzido directamente da linguagem nazi para o português.

(E eu a imaginar filmes: o avô alemão, que em meados dos anos 40 do século passado foi recomeçar a vida na América do Sul, passando à descendência a sua herança ideológica...)

Fica a pergunta: como ensinar a estas pessoas as bases mais elementares do Estado de Direito?

Outra pergunta, deliberadamente provocatória: e se o direito de votar só fosse atribuído a quem conseguisse passar um exame com perguntas simples sobre os princípios básicos do Estado de Direito?

(Eis como acabei de me arriscar a ser a primeira pessoa a chumbar o teste, caso a minha sugestão fosse aprovada...)



19 agosto 2015

singing hands

De uma entrevista que ouvi na RBB Info Radio:

Laura Schwengber tinha doze anos quando o seu melhor amigo ficou doente e perdeu o ouvido e a visão. Inventaram uma espécia de fala (tocava-lhe a boca e era M de "mouth", tocava-lhe o nariz e era N de "nose") (a minha maldita costela do Porto perguntou logo o que é que ela tocava para a letra P) (a cabeça, claro, que é onde há piolhos) (o que é que vocês pensaram, hã?!). Adiante. Anos mais tarde, decidiu especializar-se em linguagem gestual. Ela estava cheia de dúvidas sobre o que devia estudar, e foi esse amigo que lhe chamou a atenção para algo que ela já fazia - e muito bem - desde pequena.

Um dia foi à discoteca com amigos surdos-mudos, e um deles perguntou-lhe como era a letra da canção que estava a passar, porque alguma coisa não fazia sentido: ele sentia a energia da música, muito agitada, mas os casalinhos estavam todos romanticamente abraçados. Ela começou a traduzir, o que provocou muitos boatos e gargalhadas nos restantes elementos do grupo, que a viam dizer ao amigo: "adoro-te, não consigo imaginar a minha vida sem ti, etc."

Foi assim que nasceu a ideia de fazer chegar as músicas mais perto dos surdos. No duche, a Laura começou a cantar em linguagem gestual. Daí passou para os palcos, e chegou a algo como o que se vê neste vídeo:




16 agosto 2015

santo subito - 10 anos



No dia 16 de Agosto de 2005, uma mulher tresloucada atacou o Frère Roger durante a oração da noite, no coração da sua comunidade de Taizé. Ele morreria pouco depois. Na Agencia Ecclesia, o António Marujo - que está em Taizé - relata o modo como a comunidade lembrou hoje o seu fundador.

Recupero o post que escrevi nessa altura (com ligeiras alterações):


Santo Subito


A Christina escreveu assim sobre o seu encontro com ele, há cerca de um mês:

Quando o Frère Roger se aproximou de nós, tinha um sorriso muito terno. Ao dar-me a benção, vi que o seu rosto estava cheio de amor, confiança e paz. Ao lado dele, senti-me muito bem. 

E o Matthias:

Hoje a Christina e eu estivemos junto do Frère Roger na oração do meio-dia. (...) Quando chegou a minha vez, sorrimos um para o outro, e ele fez-me o sinal da cruz na testa. Ele tinha rugas mas, apesar disso, tinha um ar cheio de amor. Eu tinha a sensação que este era o melhor momento da minha vida. Quando voltei para o meu lugar, senti uma espécie de alívio.


Do Frère Roger lembro sobretudo a imensa serenidade do sorriso.

Hoje, quero lembrar também que teve a coragem de ajudar fugitivos no tempo da ocupação alemã, e alemães no pós-guerra. Penso na sua comunidade, que procura estar entre os mais pobres deste mundo como sinal de esperança e solidariedade. Tenho presente o gesto de amizade, tão simples e espontâneo, ao tocar a mão do cardeal Ratzinger que lhe dava a comunhão, no funeral de João Paulo II. E vejo-o ainda a subir muito lentamente a nave da sua igreja, agarrando-se às túnicas de dois irmãos que praticamente o puxavam - apesar de envelhecido e esgotado, vinha rezar connosco.

Todas as semanas passam milhares de pessoas por Taizé. Nao conheço melhor espaço de evangelização, nem melhor evangelização que esta mensagem repetida até à exaustão:

Deus é amor.

Por exemplo este ano, em que escolheram o livro dos actos dos apóstolos para tema e nos falavam de um Deus que ama todos os homens, independentemente da sua religião:

Deus é amor.

Num tempo em que as religiões nos dividem, em Taizé dizem-nos que o nosso Deus ama todas as pessoas, sem distinções.

Muitas vezes imaginei que o Frère Roger devia ser o nosso primeiro santo ecuménico. E por isso:

Santo subito!

Durante a semana que passámos em Taizé, pensei em escrever-lhe a agradecer o muito que enriqueceu a minha vida ao oferecer-me um Deus tão libertador e luminoso - um Deus que nos faz sentir bem e com vontade de fazer o Bem. Não escrevi. Mas talvez algum dia possa dizer-lho, talvez na plenitude dessa luz que atravessava o seu sorriso.

uma bela ideia de negócio que se vai literalmente por água abaixo




Finalmente começou a chover. 
Logo agora que eu ia pôr uma placa à entrada do jardim a dizer assim:


Visite o autêntico Alentejo em Berlim! 
Entrada: 5 euros


"que mais irá me acontecer?"

A princesa Carolina do Mónaco agora inspira-se em mim para escolher as suas toilettes. Tenho provas:



(2013 - venda de roupa usada na Komische Oper em Berlim)





Ora então com licencinha, vou-me retirar para pensar como a devo inspirar para o próximo Baile da Rosa.  


15 agosto 2015

irreconhecível



Mais ou menos na altura em que eu nasci, um jovem americano, que muitos anos depois se tornaria meu amigo, resolveu apanhar boleia de um bacalhoeiro para ir visitar a Europa. A primeira paragem foi nos Açores, essas ilhas que imagino míticas, e ainda mais inteiras e castiças que a aldeia da minha avó nos anos 60: uma espécie de paraíso longe do mundo, encantadoras de pureza e inacessibilidade. Gostava muito de ter ido aos Açores nessa altura, e de preferência chegar num bacalhoeiro. Consolava-me pensar que as ilhas pararam no tempo, e que um dia...

...Agora o Aldi está a vender uma semana em São Miguel por 699 euros, já com o voo (e o comboio para chegar a Düsseldorf) incluído.

Adeus, ó Virgem do Atlântico...


porque hoje é sábado

(foto)

Fui dar a volta matinal com o Fox. Meia hora, dois ou três quilómetros pelas ruas do bairro. Vimos dois carros em movimento, e inúmeros ciclistas e joggers, além dos vizinhos a trabalhar no jardim. Depois tomei o pequeno-almoço com lentura, ao som deste concerto:



Sossego de pouca dura: hoje é dia de arranjar uma vítima que venha comigo de carro (de carro!...) distribuir flyers do Cinemagosto pela cidade toda. Mas, porque hoje é sábado, hei-de parar na Paz d'Alma a beber um cafézinho com a Ana e a comer uma das suas natas Berlin, e na Bekarei vou comprar uma broa portuguesa (ou talvez uma caixa cheia de bolos, daquelas "um de cada"), e agarrem-me que ainda vou perder o juízo no Restaurante Nau do Hotel Sana.

Assim de repente parece que este post descambou para um "post escrito em parceria com", e é mais ou menos verdade. Essas são algumas das empresas que apoiam generosamente o Cinemagosto, e sinto-me muito grata (apesar de não me chamar Cinemagosto, e andar nestas trapalhadas por carolice, e até agora só ter lucrado com isto a nata que a Ana me ofereceu, além de muitos jantares e cocktails no Hotel Pestana, mas isso é uma história mais comprida). E gosto imenso, mesmo imenso, do que fazem.

De modo que: olhem bem para mim antes de sair para o meu tour de flyers. Depois deste sábado, nunca me viram tão magra...


a importância dos mercados



"O teu döner é turco. A tua pizza é italiana. A tua democracia é grega. O teu café é brasileiro. Os teus filmes são americanos. O teu chá é asiático. A tua camisa é indiana. O teu combustível é árabe. Os teus electrodomésticos são chineses. Os teus números são árabes. As tuas letras são latinas.
 ...E queixas-te que o teu vizinho é imigrante?"

Ora, Karl Marx explica: o vizinho imigrante é gratuito, não foi validado pelo mercado...


14 agosto 2015

dias intermináveis de verão

Os miúdos da casa ao lado não sabem que fazer ao seu tempo. Sem infantário os dias arrastam-se, intermináveis. O Fox arranjou maneira de entrar no jardim deles, e ficaram felizes:
- Veio-nos visitar, não é? Também o podemos ir visitar?

Vieram visitar o Fox. Tocaram à campainha, perguntaram se podiam vir brincar na minha casa.
- Brincar a quê?
- Ao Spider-Man!
- Como é que se brinca?
- Temos uma pistola de laser e destruímos a tua casa toda!
- Olhem, agora tenho muito trabalho, não posso brincar ao Spider-Man. Daqui a bocado, depois da vossa sesta, toco à vossa porta e vamos passear todos com o Fox.

Foram-se embora. Daí a 5 minutos estavam a tocar outra vez à campainha, com um sorriso rasgado:
- Já dormimos, e já acordámos! Já podemos sair com o Fox.


(Lembro-me tão bem do tempo em que tinha a idade deles e certos dias de verão me pareciam intermináveis e insuportáveis!)


algumas conclusões rápidas sobre a batalha de Aljubarrota


Batalha de Aljubarrota, 14 de Agosto de 1385


Se olharem com cuidado para o desenho, verão que na altura já se degolavam pessoas em frente dos media (nomeadamente: o senhor que estava a pintar a cena). E nem sequer eram de outra religião.

Os portugueses ganharam esta batalha porque não respeitaram as regras de combate daquela época. Se a Convenção de Genebra sabe disto, e se temos de pagar a multa com juros, estamos tramados.

Os espanhóis perceberam a tramóia, e iam passar ao largo, mas aí os portugueses começaram a dizer coisas sobre as mães deles (provavelmente disseram que elas seriam "máquinas de fazer espanhóis") e os hermanitos, pois claro, catrapumbas para dentro da técnica do quadrado. Tivesse o pobre do Zidane estudado um pouco mais de história, e não caía na mesma - desta vez armada pelo espertalhão do Materazzi, 621 anos depois.

A padeira de Aljubarrota foi quem inspirou o conto de Hänsel und Gretl, sabem, aquela história dos mais fracos que meteram o inimigo no forno do pão, e tal.

Estou em crer que aquela coisa que se diz de as portuguesas terem bigode terá sido uma espécie de expressão idiomática posta a circular pelos espanhóis, só por causa da padeira, e por eles serem uns maus perdedores cheios de ressentimento.

Tivéssemos nós perdido a batalha de Aljubarrota há 630 anos, e em vez de resgate tínhamos uma espécie de ajuda ao sector bancário. Além de termos o D. Felipe em vez do D. Duarte.
E eu não tinha perdido a minha infância em viagens intermináveis para ir comprar caramelos a Tui.

A culpa é da Nossa Senhora, que andou a dizer coisas ao ouvido do Nuno Álvares Pereira. Depois - 617 anos depois - arrependeu-se e para compensar parou a maré negra da Galiza antes de esta chegar a Portugal.
 

12 agosto 2015

o verdadeiro luxo

O verdadeiro luxo é isto: três semanas de férias quase sem internet.
Aaaah.

(Estou de volta: a mala saqueada no meio da sala, e eu no facebook e a correr atrás dos emails em atraso.)