29 maio 2021

Isadora Duncan (2)


Nas suas memórias, Isadora Duncan escreve que já aos 12 anos existia em si uma feminista:

"A discriminação das mulheres causou-me uma profunda impressão e, tendo em mente o que foi o destino da minha mãe, decidi já então passar toda a minha vida a lutar contra o casamento: queria defender a emancipação das mulheres, o direito de cada mulher a ter filhos quando quisesse... Interessava-me pelas leis matrimoniais e sentia-me chocada pela escravização das mulheres."

Se assim o pensou, melhor o fez. Teve três filhos de três homens diferentes, não casou com nenhum dos pais (e até pagou as dívidas e as contas do actor britânico por quem se apaixonou em Berlim, e de quem teve a primeira filha), mais tarde casou com um homem 18 anos mais novo que ela.

As inúmeras tragédias que lhe infernizaram a vida (a morte dos dois filhos mais velhos, juntamente com a nanny, no carro que o motorista tentava concertar sem se ter lembrado de accionar o travão de mão antes de sair do veículo; a morte do terceiro filho logo à nascença; o suicídio do marido; as circunstâncias da sua própria morte) lembraram-me um texto horrível que li há quase vinte anos, quando calhou de estar num grupo de partilhas de ultraconservadores norte-americanos. Foi entre o 11 de Setembro e a guerra do Iraque, e os textos partilhados jogavam com as emoções dos leitores (por exemplo, para justificar a guerra diziam: "pensem naquele casal de mão dada a cair do WTC") e apelavam aos seus piores instintos.

Os piores instintos: alguém que quis dizer mal das pessoas de esquerda que eram contra a guerra do Iraque mencionou o Dr. Benjamin Spock, importante impulsionador de métodos educacionais modernos, responsabilizando-o pelo suicídio do seu filho adolescente. Isto escrito em tom de "toma que já levaste". (E nem era verdade: foi o neto, com 22 anos, que era vítima de esquizofrenia.)

Perante as tragédias que atingiram Isadora Duncan, lembro-me da maldade desse texto: quantas vezes não terá a pobre da Isadora Duncan ouvido a pérfida acusação de que o que lhe acontecia era o merecido castigo pela vida desregrada que escolheu levar?


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