04 fevereiro 2021

"wikipedia"

 


Monumento à Wikipedia, em Slubice, Polónia.
Escultor: Mihran Habokyan.
Fotógrafo: Adam Czernenko.
Aqui.

Há tempos abri a #Wikipedia e apareceu aquele texto, realçado por uma mancha de cor, que todos conhecemos. Estavam a pedir outra vez dinheiro. Pela primeira vez li-o com atenção - em vez de o arredar com o gesto despreocupado que é cada vez mais automático quando surfamos online o trabalho dos outros - e senti um impulso muito forte de contribuir. Mas decidi fazer disto um gesto de casal, e enquanto conversava e não conversava sobre o valor do donativo lá se foi o impulso. Continuo a andar na wikipedia duplamente à boleia dos outros: os que a fazem e os que a pagam.

Não me lembro de quando foi a primeira vez que consultei a wikipedia, nem do ano em que comecei a abrir a wikipedia antes de ir à estante buscar o volume correspondente da Britannica e da Brockhaus. Também não me lembro do ano em que demos à Oxfam as nossas edições da Britannica e da Brockhaus, por estarem a ficar cada vez mais desactualizadas e ocuparem demasiado espaço de estantes. Talvez tenha sido em 2014, na última mudança de casa.

Às vezes penso que pode ter sido um erro desfazer-me das enciclopédias em papel. Por exemplo, quando vejo as gracinhas que fazem com a wikipedia: o pai que se esqueceu de pôr a moeda debaixo da almofada da filha, e foi à wikipedia mudar a entrada sobre a "fada dos dentes", para dar uma margem de actuação de mais um dia e assim restaurar a perfeição e a confiança no mundo da miúda; ou um grupo de estudantes universitários que andavam a publicar na wikipedia descrições das idiossincrasias de uma professora do curso com frases que lhes pareciam, a eles, muito divertidas. Mas a verdade é que as enciclopédias sérias continuam disponíveis online e, ao contrário das minhas de papel, são permanentemente actualizadas. Uma custa 100 euros por ano, e a outra 60. Uma tradição nova para presentes de Natal?

De graça, temos a wikipedia: o "descomunal fracasso colectivo dos que falam português" (como dizia um amigo meu), onde é preciso ler sobre o mesmo tema em várias línguas para tentar ir além da superficialidade, e destrinçar o que é verdade do que é ideologia ou pouco saber. A enciclopédia que traduz a inteligência do enxame, mas não se eleva acima dele - ou, como comentou um dos fundadores por ocasião do vigésimo aniversário: "se a wikipedia existisse no tempo de Galileu, nela constaria que o sol anda à volta da terra".
Apesar de todas as suas fragilidades, aí está ela: assistente quase diária de muitos de nós, fruto da generosidade de milhões de humanos em todo o mundo, e resistente à lógica de mercado que transforma os utilizadores em produto e factor de lucro. Mais do que motivos suficientes para que não reprimir o tal impulso irreprimível de contribuir com um donativo, da próxima vez que me acontecer.
Curiosamente, depois de tanto falar sobre a wikipedia, deu-me para começar a ponderar seriamente uma assinatura anual da Britannica: para saber a verdade, e toda a verdade, e apenas a verdade, sobre a fadinha dos dentes e a tal professora universitária lisboeta.

Digam-me vocês: se a Britannica fosse gratuita, consultavam primeiro a Wikipedia ou a Britannica?


4 comentários:

jj.amarante disse...

Dependeria, na Wikipédia às vezes vou primeiro à versão em português quando estou com mais pressa e quero apenas uma introdução ao tema. e a coisa me interessa vou depois à versão em inglês que costuma ser muito melhor em variados assuntos. Se se trata de História de Portugal são perspectivas diferentes e por vezes complementares. E há ainda as biografias de figuras públicas do nosso tempo em que não se pode esperar que a Britannica tenha muita informação. Quando existe um assunto que requer uma análise aprofundada, o que constato que no meu caso é bastante raro, recorreria à Britannica. Porém constato que tenho uma versão pirata desta enciclopédia há alguns anos e só a consultei duas ou três vezes no início. Há uma tradição portuguesa antiga de falta de interesse por enciclopédias. A Portuguesa e Brasileira por exemplo tem artigo na letra A sobre a Alemanha quando o Hitler estava na fase ascensional, recebendo alguma simpatia no texto, mas quando chegou à letra H já ele tinha peerdido a guerra. Tenho contribuído com a quantia mínima sempre que a Wikipédia faz uma campanha de recolha de fundos, pois cito-os com grande frequência no meu blogue.

Helena Araújo disse...

Essa história da Luso-Brasileira é muito engraçada. :)

E confirmo: a wikipedia tem sempre a informação de última hora.

O que acho curioso no meu caso é que dantes abria mesmo várias enciclopédias, e agora vou ficando pela wikipedia.

V. M. Lucas Lindegaard disse...

Uma enciclopédia é, em princípio, como qualquer outra fonte: deve-se sempre ser crítico, verificar as fontes dessas fontes, etc. Não me pqrece que se possa aceitar uma informação sem a questionar só porque vem na Britannica.

As avaliações que vi da Wikipédia até nem são más. Tenho encontrado muito mais anedotas sobre os artigos da Wikipédia que artigos anedóticos. Bom, também tenho encontrado alguns, e ainda bem, porque são divertidos, como aquele em que o Cesário Verde era filho de José Anastácio Azul e Maria da Piedade Amarela. Mas essas brincadeiras duram muito pouco tempo, o que prova que a Wikipédia funciona.

Agora, com enciclopédia, muitas vezes, o problema não é o rigor, mas antes a parcialidade, e não sei se nisso a Britannica será melhor que a Wikipédia, até porque há um risco maior de parcialidade se o artigo for escrito por um especialista.

Mas escolher entre a Wikipédia ou a Britannica é uma questão que só se poria às vezes, se tivesse acesso à Britannica de borla. A Wikipédia tem incomparavelmente (!!!) mais informação que a Britannica e muita de informação que eu procuro (e encontro) na Wikipédia não existe em nenhuma outra enciclopédia.

Além disso, a Wikipédia funciona também como um agregador de dados de outras instâncias, o que duvido muito que a Britannica faça: se queres ver, sei lá, índices de esperança de vida por país, a Wikipédia agrega a informação atualizada das maiores seis fontes internacionais, o que é muito prático, em vez de teres de ir tu procurar e comparar as diversas fontes.

Finalmente, Wikipédia, para mim, são os artigos em inglês, o resto é muito mais pobre.

Já agora, não tenho nada a apontar ao Wiktionary. Em geral, tem mais rigor que muitos outros dicionários.

Fiz uma doação para a Wikipédia e o teu post lembra-me que devia fazer mais uma.

Helena Araújo disse...

E o teu comentário, Vítor, lembra-me que devia fazer também. :)