15 junho 2019

"escada"

Do dia em que "escada" foi a palavra mágica na Enciclopédia Ilustrada:






Quando Goethe foi morar para Weimar (aviso já que vos vou levar de passeio por uma espécie de revista Hola do passado) começou por viver aqui e ali (pelo menos a acreditar nas placas que se vêem por todo o lado, porta sim, porta não), e às tantas recebeu do grão-duque uma casinha no meio do parque fora da cidade. A casa até nem era má, mas já se sabe como é que são as mães, e a do Goethe devia ser fresca, porque escreveu ao grão-duque a dizer que até parecia mal, um rapaz de tão boas famílias, a viver naquela espelunca...

Foi assim que Goethe recebeu a sua segunda casa em Weimar, numa praça importante da cidade (enfim, hoje é importante porque tem lá a casa-museu de Goethe, e também porque ficou muito maior depois das bombas de Fevereiro de 1945, destinadas a destruir a casa do escritor mas que acertaram em cheio nos prédios do outro lado da rua). Esta casa tem uma particularidade interessante: são duas. Da rua vê-se a - literalmente - casa de fachada, que servia para receber, mostrar a arte trazida de Itália e outras peças de colecção, e também servia para esconder o edifício de trás, que dava para o jardim com um muro alto, onde Goethe trabalhava e escondia a Christiane Vulpius, sua - digamos - barregã (como se murmurava ruidosamente na cidade).

Na casa de fachada existe (ena, ena, consegui chegar ao assunto em menos de 30 linhas!...) uma #escada muito estranha. Tudo nela parece falso e fora de proporção: a dimensão exagerada para o espaço, a largura do corrimão, as portas e os patamares demasiado pequenos para aqueles degraus tão largos e profundos. O próprio acto de subir as escadas parece estranho: não é bem subir degraus, é mais "passear até ao primeiro andar".

Conta-se que Goethe quis substituir a antiga escada curva barroca por uma à maneira da Itália antiga, que tanto lhe agradava. Fez ele próprio o desenho, inspirado nuns modelitos clássicos que tinha visto durante a sua viagem àquele país, e pediu a um amigo que tratasse das obras enquanto ele ia com o patrão à guerra contra a França. O amigo mandou desfazer as escadas originais e deitar umas paredes abaixo para ter o espaço necessário àquela escadaria, e cuidou de realizar o sonho de Goethe. Que, segundo dizem, ao voltar da guerra entrou em casa, foi direito à dita escada e... nunca mais disse uma palavra sobre o assunto. Mas admito que tenha pensado no Rei Midas, e naquele dito dos antigos gregos: "quando os deuses se querem rir das pessoas, tornam os sonhos delas realidade".

A última fotografia que partilho não é da casa de Goethe - é do palácio do grão-duque, a quem eu chamava "o meu vizinho da frente". É verdade que o palácio ficava numa ponta da rua e a minha casa na outra, mas à noite, quando acendiam as luzes do candeeiro histórico na escadaria, eu acendia também as da minha sala, e até parecia Goethe na sua casa do parque a deixar uma vela à janela para fazer par com a que a Frau von Stein deixava na janela dela.
(Eu avisei que isto era a Hola)

A guerra na França correu mal, depois umas guerras engataram-se noutras e às tantas Napoleão entrou em Weimar e andou pelas escadas do meu vizinho da frente como se fosse o dono da casa. Mas nas escadas de Goethe é que não passeou. Que a casa era de fachada, mas o dono tinha conteúdos. No entanto, algo mudou em Goethe devido à invasão francesa e ao susto de ver a sua casa cercada pelo exército inimigo. Em meia dúzia de dias meteu os papéis e casou com a Christiane Vulpius, com quem vivia há mais de vinte anos.
Acho que se chama a isto "esprit d'escalier": quando a resposta certa vem com demasiado atraso...






Sem comentários: