23 janeiro 2018

o programa "supernanny" na Alemanha

O programa Supernanny, recentemente introduzido em Portugal depois de ter dado dinheiro a ganhar nuns vinte países, provocou uma reacção imediata de protesto e crítica.
(Eia, avante, portugueses, eia, avante, sem temer!)

Sobre a questão, gostei muito de ler estes textos:
- A Super Nanny ou "Kid Whiperer"
- Margarida, estou contigo. Deixem-me sair, vocês são estúpidas
- A utilidade do Supernanny

Tentei encontrar na wikipedia em alemão um síntese das reacções a este programa na Alemanha. Só para dar mais alguns elementos para o debate, aqui deixo um resumo do que lá encontrei:

A Super Nanny era um pseudo-documentário da RTL, na qual Katharina Saalfrank dava conselhos de educação às famílias. O formato original, Supernanny, vem da Grã-Bretanha, onde existe desde 2004. Há inúmeras versões noutras línguas, com outras firmas e diferentes participantes. Na Alemanha esteve no ar, com algumas interrupções, de Setembro de 2004 até fins de 2011. O mesmo formato continuou, com outro nome - "Missão: família" - na Sat 1.


Críticas:

Um projecto de investigação do Instituts für Publizistik- und Kommunikationswissenschaft, da Universidade de Viena, tentou identificar os pontos fortes e os pontos fracos do programa. Para isso, estudou versões de vários países. Os autores do estudo vêem como potenciais do programa, entre outros, a possibilidade de "aumentar a aceitação de aconselhamento em questões parentais [...] sobretudo nos segmentos da população com mais baixo nível de formação". (*)
Jan-Uwe Rogge, investigador de Ciências Sociais e Comportamentais, critica, entre outros, que não haja lugar para fazer um diagnóstico dos processos do desenvolvimento da criança, e a ideia da obrigatoriedade de uma correcção perante qualquer comportamento infantil desajustado. O programa estará sobretudo reduzido a técnicas de educação, sem dar qualquer valor à compreensão e à participação de todos os envolvidos.
A Comissão Estatal para Protecção dos Jovens nos Media estudou o programa, e considerou-o muito problemático. As formas de apresentação escolhidas podem provocar a estigmatização das crianças envolvidas, com consequências negativas para estas. Contudo, a Comissão não encontrou qualquer impeditivo legal para o programa.
Depois da emissão de 5.5.2010, esta Comissão agiu de novo, impondo uma multa de 30.000 euros ao programa por atentado à dignidade humana. Nesse programa, assistiu-se a uma mãe que por várias vezes bateu na filha de cinco anos sem que o team de filmagem interviesse.
O Deutsche Kinderschutzbund criticou o programa por sugerir que é possível resolver em poucos dias problemas de educação complexos. Além disso, criticou também o facto de Katharina Saalfrank se concentrar quase exclusivamente nas necessidades dos pais, e ignorar as das crianças.
A revista Der Spiegel entende que o programa serve os baixos instintos do público: voyeurismo, o prazer pela desgraça alheia e a mania de que se sabe fazer melhor que os outros.

Outras críticas de especialistas:
- reforço de perspectivas preconceituosas e distorcidas da vida de família e do aconselhamento de educação;
- as crianças apresentadas são vítimas da televisão de reality shows;
- as crianças são traumatizadas, os pais são humilhados e as regras mais básicas da Psicologia são desrespeitadas;
- os espectadores são sujeitos a encenações criadas para ter impacto para o público - o formato visa o apelo às emoções, a personalização e a ilusão de autenticidade;
- o contexto social e as instâncias de socialização são ignorados, as crianças são apanhadas em situações emocionais por uma câmara invasiva e despudorada, e tornam-se alvo de comentários discriminatórios.

A revista Zapp informou em 2009 que as famílias eram escolhidas por uma agência de casting e recebiam 2000 euros pela participação. Uma das famílias da Supernanny já tinha sido escolhida para outros programas.
Numa revista online de análise dos programas de TV, uma família contou a sua experiência: a filha contou que tanto a produtora como Katharina Saalfrank a pressionaram para provocar o irmão ao ponto de ele reagir com violência física. Isto passou-se na ausência da mãe. Por sugestão do team de filmagem, a mãe acabou por dar uma bofetada na cara da filha. No final, explicaram à família que se deviam entender como "actores de um filme", e que deviam respeitar os contratos. Os textos que as pessoas da família diziam tinham sido escritos por redactores do programa. Além disso, a mãe adiantou a suspeita - não fundamentada - de que o team teria envenenado o cão da família para conseguir um resultado emocional mais forte. Os custos para água e energia, bem como os danos provocados pelo team de filmagem, no valor de 900 euros, foram suportados pela família. Depois da emissão do programa, a família foi insultada por pessoas que não conseguiam distinguir entre a família e a ficção. Além disso, uma das filhas ficou com problemas psíquicos duradouros provocados pelas filmagens.
Um outro episódio da série, em Setembro de 2011, deu azo a um processo no tribunal e a um inquérito por parte da Comissão de Protecção da Juventude nos Media, por atentado à dignidade humana. Nesse episódio, uma mãe gritava, insultava e batia em crianças de 3, 4 e 7 anos. A cena foi várias vezes repetida no programa. O team de filmagem deixou acontecer, e filmou.
O veredicto do tribunal administrativo de Hannover confirmou a acusação.  

De outros artigos de jornais em alemão:

Em 2013, Katharina Saalfrank distanciou-se do método de enviar a criança para o "banco do castigo", que adoptou do modelo inglês mas deixou de usar ao fim de alguns episódios. No entanto, o seu uso nos primeiros anos do programa influenciou muitos pais, que começaram a impô-lo aos seus filhos.
Numa entrevista em 2013, Katharina Saalfrank afirmou que este método é destrutivo, "uma limitação enorme à autonomia e ao desenvolvimento da criança, e uma ofensa à sua personalidade".

(*) Um artigo no Medienheft (Suíça) informa um pouco mais sobre o estudo da Universidade de Viena, que analisou o programa em vários países:

- O espectador típico deste programa não é um voyeur que tira prazer do espectáculo de crianças mal-educadas e pais desesperados. Em vez disso, são pessoas - na sua maioria mães com menos de 30 anos, com salários baixos e pelo menos um filho - que procuram orientação. Estas mulheres sentem-se excluídas da sociedade e da política, e querem ter um papel no futuro da sociedade por meio da educação que dão aos filhos. Querem ter a sua situação sob controlo, e confirmar a sua capacidade de se impor. Por esse motivo têm tendência para um certo estilo de educação autoritário, e interessam-se muito por essas questões.
- O programa Supernanny não propõe um estilo autoritário.
- Todos os programas recusam o uso de violência física.
- Os espectadores típicos deste programa sentem que os métodos da Super Nanny são mais democráticos que os seus próprios. O facto de esta falar com os pais para tentar encontrar o método mais adequado para aquela família ajuda as famílias com nível de formação mais baixo a aceitar a possibilidade de receber apoio de um psicólogo para aconselhamento na educação dos seus filhos.
- Os críticos do programa também são criticados pelo estudo: serão grupos elitistas que criam controvérsias para satisfazer a sua necessidade de se demarcar.
- Uma falha grave do programa: só em 20% dos episódios se dirigem ao pai da criança. Embora o formato focado nas mães aumente as audiências do programa, perde-se aqui uma oportunidade importante de apresentar homens no cumprimento do seu dever de educar os filhos, e de apresentar propostas de resolução dos problemas dirigidas ao casal. 

2 comentários:

Box disse...

Boa Tarde, encontro-me a fazer um trabalho académico sobre o Supernanny a nivel internacional, pode-me facultar o pdf ou link da investigação desse instituto na universidade de viena? Não consigo encontrar. Muito Obrigada.

Helena Araújo disse...

Só tenho este link: http://www.medienheft.ch/kritik/bibliothek/k26_ArnoldJudith.pdf
No final, diz que pode comprar um relatório mais completo por 15 euros.