03 dezembro 2017

pequena achega para o debate sobre o politicamente correcto

 
O Centro da Comunidade Judaica, na Fasanenstraße, em Berlim, foi construído no local onde havia uma sinagoga, que foi destruída no ataque que o III Reich conduziu contra os judeus a 9 de Novembro de 1938. O edifício é um projecto muito simples dos anos 50, com a excepção de um elemento na fachada destinado a realçar um pórtico recuperado da antiga sinagoga.

A inauguração foi em 1959, e o telegrama enviado pelo presidente da República, Heinrich Lübke, mostrava claramente o muito caminho que, 14 anos depois da guerra, ainda faltava andar no trabalho de confronto dos alemães com o horror do Holocausto. Escreveu ele (sublinhado meu):



"Felicito a comunidade judaica em Berlim pela inauguração de seu centro comunitário, que foi reconstruído na Fasanenstraße. O meu antecessor no cargo, o nosso respeitado Professor Dr. Theodor Heuss, afirmou na carta que escreveu a esta comunidade que o desgraçado 9 de Novembro de 1938 foi um dia de crime e violação da legalidade. A reconstrução deste centro é um sinal encorajador da consolidação crescente das novas comunidades de nossos cidadãos judeus. Associo ao retorno da comunidade judaica à Fasanenstraße a esperança de que a nossa convivência volte a ser tão natural como aquela proximidade entre alemães e judeus de que Berlim era justamente um símbolo, antes de ambos os povos terem sido atingidos por um período bárbaro da História.

1. "ambos os povos" - como se os judeus alemães não fossem alemães;
2. "um período bárbaro da História" - o III Reich como uma espécie de catástrofe natural, algo exterior aos alemães;
3. "ambos terem sido atingidos" - por inacreditável que pareça, em 1959 o presidente da República Federal Alemã punha criminosos e vítimas no mesmo plano.

O politicamente correcto, hoje em dia tão criticado, nasceu da necessidade de olhar atentamente para as palavras, especialmente para a sua carga iníqua e ideológica. Aquela frase do presidente seria impensável na Alemanha actual. A quem se queixa da ditadura do politicamente correcto, porque "há sempre alguém que se ofende com o que foi dito", pergunto se preferia que continuássemos no tempo em que se falava do nazismo como um período bárbaro da História que atingiu tanto o povo alemão como o judeu.

É só um exemplo. 


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