12 dezembro 2017

a minha melhor festa de Natal com os portugueses de Berlim



Pela primeira vez em sete anos fui à festa de Natal da comunidade portuguesa em Berlim sem ter nela qualquer responsabilidade. Fui de férias, a bem dizer. Tão de férias que nem me lembrei de fotografar a festa para divulgar na respectiva página do faceboook.  

Nas festas anteriores andava numa roda-viva, a acudir a tudo e a fazer tudo ao mesmo tempo - o que deu cenas um bocadinho gagas, como por exemplo daquela vez em que a chegada do Embaixador coincidiu com o momento em que eu ia levar o almoço aos técnicos do som, que não podiam sair da sua sala. Ainda tentei que a co-organizadora da festa o fosse receber, mas ela estava nesse preciso momento no palco a saracotear um bacalhau, em pleno leilão. Como é que se cumprimenta respeitosamente um Embaixador enquanto se equilibra uma jardineira, mais um rancho, mais uma feijoada, mais meia dúzia de rissóis, mais uma salada? Valeu-me a excelente preparação dos diplomatas portugueses, que lhes permite disfarçar muito bem - nem deitou as mãos à cabeça nem disse "foi para isto que me alistei?!", nem foi para a casa de banho respirar fundo vinte vezes, nem nada. Provavelmente só fez uma nota mental, "da próxima vez, pedir a alguém do staff que vá à frente ver se alguma daquelas profissionais do multi-tasking está com as mãos livres".

Mas este ano, o da graça de 2017, oh, maravilha!, estava de férias. Com tempo para comer, saborear a música, conversar com todos. Da minha mesa, junto à entrada, via passar a comunidade: a senhora com uma certa idade e passos inseguros (a quem eu às vezes dava boleia, e de quem me esqueci completamente este ano, por "estar de férias" - ooops!). O melhor florista do meu bairro, que é português, a quem apresentei a amiga que acabara de elogiar um ramo de flores que ele fizera. A professora com quem preparámos a ida do realizador Eduardo Brito à escola portuguesa. Uma senhora muito simpática, que estava a comer à minha mesa, e que só ao fim de muita conversa descobri que era não-sei-quê-militar na Embaixada (e foi logo no momento em que tinha a boca cheia de bacalhau assado, nem deu para bater continência nem dizer "excelência", ou lá o que se faz nesses casos). Os músicos com quem combinei um concerto para daqui a uns tempos (depois conto). Podia ficar mais meia hora a contar com quem falei, mas como hoje não é o dia internacional da cusquice, adiante.

Sinto-me muito grata à associação Berlinda por ter proporcionado à comunidade portuguesa esta festa - e a mim dois meses sem canseiras. E mais uma vez me comovi com a generosidade daqueles que dão tanto para tornar possíveis festas como esta: veio um grupo enorme da missão católica em português, e abriu a festa com temas do Natal. Veio o fadista António Brito, que vem sempre com o seu bom humor e a alegria contagiante. Vieram a Ana Rocha e o Filipe Duarte, cujo trabalho não conhecia e me encantaram (aquele fado acompanhado por guitarra jazz foi qualquer coisa!). Vieram os Filhos da Madrugada, e trouxeram-nos o Zeca Afonso. E talvez tenham vindo ainda outros, mas  fui embora antes do fim, porque queria ir ao concerto da Maria João Pires.
Comprei uma caixa de pastéis de nata ainda quentinhos, e saí com uma amiga.

Nevava copiosamente. Fomos em ritmo de pára e arranca até à filarmonia, porque a cada momento parávamos para fotografar a cidade transfigurada. Ao chegar, uma óptima surpresa: ainda havia bilhetes, e a um preço acessível. Fiquei tão grata que até ofereci dois pastéis de nata às senhoras da caixa. Na sala, acabei sentada ao lado de um trompista português que toca numa orquestra alemã, e observava atentamente o trabalho do Stephan Dohr. Disse-me que a sala estava cheia de portugueses. Estava, pois! De tal modo que à saída encontrei outro casal amigo, e fiquei tão contente que lhes ofereci dois pastéis. Só sobraram dois, à risca para a minha gente em casa.

Continuava a nevar, e recomeçámos a fotografar, extasiadas. No autocarro, a minha amiga deu-me um dos pastéis que ela própria comprara, batemos as natas uma na outra como se fossem taças de champanhe, dissemos "à saúde!" e rimos - e assim acabou o meu belo dia de festa de Natal com os portugueses de Berlim.

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Ontem olhei com outros olhos para o caixote cheio papéis do grupo "Portugueses em Berlim", que me atravancava o escritório há vários anos. Guardei os mais importantes. Deitei fora as senhas, as rifas e os flyers das festas passadas, e o próprio caixote. Finalmente fui capaz de aceitar a implosão deste grupo, e de fechar esse capítulo. Outros virão para criar momentos de encontro para a comunidade portuguesa. "Outros amarão as coisas que amei".


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