21 julho 2017

Mário Laginha e Pedro Burmester em Ponte de Lima - não parece, mas é sobre insularidades

O que tenho em comum com o Pedro Burmester:
- a ambos nos acontece de chamar "cidade" a Ponte de Lima
- ambos levamos com um coro de protestos, "não é cidade, é vila, ó!"
(mas os protestos que eu recebo são mais incisivos)

O que o Laginha e o Burmester têm em comum com o Simon Rattle: os concertos acabam-se-lhes demasiado depressa. Aconteceu na quarta-feira, em Ponte de Lima. O Aaron Copland: dois ou três minutos, no máximo. O João Paulo Esteves da Silva: meio minuto. Um choro feliz, do Mário Laginha: um minuto.
E assim, peça após peça. Nem sei porque me dei ao trabalho de ir de Viana a Ponte de Lima, para um concerto que praticamente acabou quando ainda mal tinha começado.

Embora tenha chovido a manhã toda e parte da tarde, o palco estava descoberto. Isso é que é fé! Fé, ou então um acordo limiano com o São Pedro. Em todo o caso, não choveu. Mas o Mário Laginha queixou-se da humidade. Foi depois de ter tocado o "Lisboa, debaixo de chuva" (isto não é uma queixa - gosto imenso das composições do João Paulo).

Também quero voltar à Sonata Breve do Laginha, que tem ali muito para saborear.

Nos dedos do Pedro Burmester, o J.S. Bach da Fantasia Cromática parecia um rapaz do nosso tempo. Tenho de averiguar o caso: não sei se o Burmester transforma Bach, ou se transforma os meus ouvidos.

A última peça do programa era La Valse, de Ravel. Tocaram muito bem, mas fiquei preocupada. É que há tempos vi a Yuja Wang a dar conta desse recado sozinha. Ora, aonde é que vamos parar, se uma jovem chinesa consegue despachar sem ajuda de ninguém uma peça que em Portugal tem de ser executada por dois homens feitos?...
(espero que tenham reparado nas reticências)

Por falar em homem feito: a última vez que ouvi o Pedro Burmester tocar ao vivo foi no Palácio da Bolsa, há uns bons trinta anos, era ele um jovem promissor. Entretanto, a sua excelência como pianista levou-o tão longe que os habitantes de Ponte de Lima nem o transformam em sarrabulho por dizer "cidade", nem nada.

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Tanto que acontece enquanto vivo do outro lado da Europa!
Olho para o meu país em modo intermitente, como num álbum de fotografias: o Burmester no Palácio da Bolsa nos anos oitenta, o Burmester em Ponte de Lima em 2017; o Sérgio Godinho num concerto em Viana, eu a pensar que talvez seja a última vez que o vejo. Valha-me o Laginha e todos os outros portugueses que ora vejo aqui ora vejo em Berlim: desfazem a distância e transformam a percepção. A intermitência dá lugar a uma continuidade no espaço comum europeu.


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