27 fevereiro 2017

dia 8 da Berlinale 2017


Ao oitavo dia ia apanhando uma desidratação com o Karera ga Honki de Amu toki wa (Close-Knit) de Naoko Ogigami. Eu e a sala toda a fungar, faz de conta que era a gripe da Berlinale...
E Maudie, de Aisling Walsh, com uma fantástica Sally Hawkins: mais fungadelas.
A ver se me lembro, da próxima vez, de comprar acções das empresas de lenços de papel antes de começar a Berlinale. Aposto que têm uma grande subida de lucros por estes dias.

Mas vamos por partes:


1. 


Bamui haebyun-eoseo honja (On the Beach at Night Alone), de Hong Sangsoo. Da sessão para a imprensa vi apenas os primeiros 40 minutos, porque tinha bilhete para outro filme às dez da manhã. Um filme sereno, uma actriz perfeita. Tive pena de não ver até ao fim. 


2. 





Karera ga Honki de Amu toki wa (Close-knit), de Naoko Ogigami, é um filme sobre questões de transgénero para principiantes. No Japão só agora se começa a falar nestes temas, pelo que a transexual apresentada é uma pessoa perfeita, amorosa, maravilhosa, tudo de bom.
Paciência. O cinema japonês fará o seu caminho, e daqui a uns anos apresentará transexuais normais, com direito à imperfeição dos humanos.
Close-knit é um filme doce, de uma simplicidade quase pedagógica, absolutamente encantador. Permite reduzir as questões de transgénero e homossexualidade à essência das relações: amor, respeito, empatia. E mostra como tudo pode ser simples, se aceitarmos as pessoas em vez de as tentarmos ajustar à medida dos espartilhos morais.


3.


Tahqiq fel djenna (Investigating Paradise), de Merzak Allouache, é um documentário que explora as imagens do paraíso no Islão, focando especialmente o fenómeno da utilização da internet por salafistas para aliciar, manipular e recrutar jovens para a jihad.
Mostra um paraíso desenhado para os homens (e as respostas dos homens sobre o paraíso das mulheres: "se calhar vai ter uma cozinha mais bonita" ou "no paraíso, a mulher escolhe o seu marido"), a ingenuidade ("Deus é que sabe porque é que nos dá 72 virgens no paraíso, Deus não erra"), a pornografia machista nas imagens do paraíso (já valia a pena ver este filme só pelas imagens de um imã a descrever as mulheres que os homens vão encontrar no paraíso, "ai aquele cabelo, ai aquela boca, ai aquelas mamas, ai aquelas coxas, ai..."), a dicotomia espírito/letra das escrituras que provoca o auto-de-fé invertido (em vez de se queimar livros, é um livro interpretado de forma perversa que está a incendiar o mundo). O cancro wahabita que alastra pelo mundo graças ao poder económico da Arábia Saudita, promovendo por via digital uma globalização islâmica de conceitos muito arcaicos que está a mudar a vida de muitos muçulmanos. E o efeito explosivo de uma religião que põe a felicidade e a realização dos homens num plano pós-morte.
Um bom contributo para a análise de problemas prementes do nosso tempo.
Aqui podem ver uma pequena reportagem sobre o realizador e o filme.
Durante o debate, perante alguém que dizia que este filme podia mudar as coisas, o realizador respondeu com humor: "Se um filme pudesse mudar o mundo, já o teríamos sabido..."
O que me lembrou uma frase semelhante do realizador de Fuocammare, sobre os refugiados africanos e Lampedusa. O seu filme ganhou o Urso de Ouro do ano passado, mas tudo continua na mesma.



4.




Politica, manual de instrucciones, de Fernando León de Aranoa, é um exercício muito arriscado de transparência: durante um ano, uma equipa de filmagens acompanhou o processo de formação e implantação do Podemos. O filme, que começa com a exibição de jovens políticos inteligentes e dinâmicos, com um discurso articulado que é puro prazer do espírito, acaba por insistir muito na questão da conquista do poder. Não se sabe qual o conteúdo das 500 horas filmadas, e se o filme faz justiça ao fenómeno Podemos - mas o que nos mostra é mais estratégia que conteúdos, mais preocupação com o poder do que atitude de serviço e defesa de valores.
Talvez seja essa a maldição dos partidos - e sendo assim, escusavam de usar um novo como exemplo. Qualquer outro serviria melhor para fazer o desenho.



5.




Maudie, de Aisling Walsh, com uma Sally Hawkins fenomenal.
Nem digo mais nada. Vão ver o filme, digam vocês.


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