16 agosto 2016

real história trágico-marítima

"Quer o cabelo mais curto?"
"Não. Mais comprido."
A anedota dos meus pesadelos aconteceu-me hoje. Depois da asneira feita, a cabeleireira desatou a gabar o meu cabelo, "que maravilha de cabelo que aqui tem!". Concordei: "tinha, tinha".
Tentou secar-me a careca com um dispersor, mas as peças estavam em autogestão, caía cada uma para o seu lado. Por isso, quando me perguntou se eu preferia um "look wet", eu disse logo que sim, ela espalhou uma gosma na minha cabeça, eu paguei-lhe os 12 euros da carta de alforria e fugi para a rua.
Se nos próximos dois meses virem por aí uma mocinha com a cabeça enfiada num saco, sou eu.
Como se não fosse já suficientemente horrível, tinha esperado imenso pela minha vez e não tinha nenhuma iHola! para ver. É certo que podia ter lido a Siri Hustvedt, acabada de comprar, mas nem sei que me pareceria estar no cabeleireiro sem ser a ler futilidades. De modo que é isto: fui ao cabeleireiro, e saí de lá sem nada - nem dentro nem fora da cabeça.
Se calhar não me devia ter informado sobre o melhor sítio para cortar o cabelo junto ao carrinho da peixeira a quem tinha acabado de perguntar se tinha piça de rei. Não era para mim, era para a minha vizinha que gosta muito desse peixe e ainda mais de imaginar a minha atrapalhação a pedi-lo em público. Pois lá me atrapalhei, lá tive a resposta de que tinham acabado (parece produto muito procurado), e depois perguntei pela cabeleireira, porque havia naquela rua uma que me cortou o cabelo no ano passado e eu tinha gostado muito, mas essa (disseram-me a peixeira e uma freguesa) mudou-se há tempos para a rua de trás ("atrás de onde?", ia perguntar eu, mas fiquei calada) e agora estava muito desleixada. "Muito desleixada", repetiram. "Desarrisca", pensei eu.
Por sorte a tabuleta do Zé Natário acenou-me, toda oferecida, e fui afogar misérias em bolas de Berlim acabadinhas de sair.
Se nos próximos dois meses virem uma mocinha de dimensões muito equilibradas (isto é: com tanto de altura como de largura) e com a cabeça metida num saco, sou eu.

(o "marítima", do título, é por causa da peixeira, e o "real" é por causa do raio do peixe)

(sim, estou em Viana do Castelo)


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