02 junho 2016

cenas da minha vida real



O nosso Bolinhas está a chegar ao fim, Temos andado a tentar mantê-lo vivo até usarmos o último saco do pacote, mas entretanto já fui comprar um aspirador novo. Por causa dos nossos muitos degraus e do cão, tinha de ser superleve e superpotente (a minha vida real é uma suíte de quadraturas do círculo). Na loja, em dúvida sobre cinco modelos diferentes, pedi ajuda. A funcionária da secção passou-me para a mão o sexto modelo, um Miele que estava com preço especial. A ver se me lembro de não ir nunca às compras sem passar antes por uma hora de psicoterapia, para poder resistir às etiquetas escritas a vermelho com um sinal de percentagem muito grande. Em menos de nada dei comigo a caminho da caixa com um Miele debaixo do braço. Por sorte o caminho para a caixa era longo, deu-me tempo de cair em mim. Voltei para trás, olhei com mais atenção para as características do aparelho. Rendimento em tapete, numa escala de A a F: D. Rendimento em chão duro: C. E também não era nenhum peso leve. Ou seja: a única coisa que eu ia comprar era um Miele e um % escrito a vermelho!
Perguntei à funcionária se aquele D não era sinal de mau rendimento, e ela respondeu-me que havia pior. Ah, bom.
Larguei a caixa, recomecei a busca. Encontrei um que tinha "A" a tudo, era dos mais leves que lá estavam, e mais barato que o % Miele. Como não encontrava nenhuma caixa do modelo, fui ter com a vendedora, que estava a atender uma senhora cheia de perguntas sobre um robot. Pousei o modelo da exposição na plataforma de demonstração dos robots, e fiquei pacientemente à espera.
Passou outra cliente, que viu o meu aspirador pousado em cima da mesa, parou, e começou a passar-lhe a mão pela carapaça. Avisei-a que o queria comprar, e ela sorriu: "fique descansada, não venho comprar aspiradores. É que tenho um igual em casa, e gosto imenso dele."
Finalmente consegui falar com um funcionário, que me disse que aquele era o último aparelho disponível, e por isso mo vendia por metade do preço. Até vi estrelas em forma de % .
A senhora atrás de mim na fila da caixa perguntou-me se o aspirador era bom. Repeti a informação da outra cliente, e acrescentei que devia ser mesmo especial, porque a outra até lhe tinha feito festinhas e tudo. Paguei, validei o talão do estacionamento, a senhora atrás de mim desejou-me "boa sorte e muito prazer com o seu aspirador", eu repeti "hehehe, vou ter muito prazer com este aspirador" e desatámos ambas a rir.
Ainda estava a rir quando desci o estacionamento pelo poço em serpentina. Ao chegar à cancela passou-me o riso: tinha-me esquecido de pagar o estacionamento! Tentei subir a serpentina em marcha atrás, mas havia cada vez mais carros atrás de mim. Impossível.
Um homem que vinha a passar na rua veio ter comigo, disse-me que infelizmente se tinha esquecido do seu cartão de utilizador diário no escritório e por isso não o podia usar para me deixar sair. Sugeriu-me que tocasse a campainha, e dissesse que me esquecera desse cartão. Toquei a campainha, e disse a verdade: esqueci-me de pagar, e já há 5 carros atrás de mim, se me pode deixar sair, eu estaciono o carro na rua e vou pagar. Do lado de lá, um riso bem-disposto: deixe estar, vou abrir a cancela, pode-se ir embora, não precisa de pagar nada.

Às vezes suspeito que a minha vida real decorre numa realidade paralela.



2 comentários:

kleineludwigecke disse...

Há pouco tempo que tenho, intermitentemente, acompanhado os seus posts. Ligeiros mas densos (!), curtos qb, mas sempre com a preocupação superior de escrever para si, o que viveu, e para que possa um dia mais tarde - penso -, recordar uma fase da sua vida.
Mas escrevendo sem receios nem limitações de qualquer espécie. Que inveja...
Patuscamente tenho uma filosofia semelhante no blog que mantenho há uns anos, apesar de nem tudo poder escrever. Mas isso são contas de outro Rosário como soi dizer-se. Apenas os meus filhos o visitam, esporadicamente, e deixando um comentário apenas quando se justifica (eles sabem-no...)
Vou continuar a lê-la, sempre que puder. Porque hoje em dia, com o ror de informação que nos invade é, sem duvida, um momento enriquecedor.
Ah, é verdade, uma palavra de solidariedade porque aprendi essa língua com três anos :)
Ich gratuliere sie und danke sehr für den blog
Luiz Carvalho

Helena Araújo disse...

Vielen Dank, Luiz. :)
É isso mesmo: este blogue serve-me como auxiliar de memória. Tem-me prestado grandes serviços.
Já aos receios e limitações, não é bem assim. Tenho um filtro muito forte (ainda um dia vão descobrir que quem vos escreve é um homem que vive numa aldeia bávara sem graça nenhuma, excepto paisagem...).